Serpro desmontou área que poderia ter evitado erro nos dados das exportações

Se o governo está realmente interessado em apurar as responsabilidades pelo erro na balança comercial, por conta de dados inconsistentes no sistema de comércio exterior, gerido pelo Serpro, que comece por punir o atual Diretor de Desenvolvimento, Ricardo Cézar de Moura Jucá.

Ricardo Cezar Jucá

Ele é o responsável direto pela falha no sistema, embora dificilmente tenha tomado decisões erradas sozinho. Jucá foi integrante da equipe que comandou o Serpro na gestão Glória Guimarães, quando a estatal adotou medidas temerárias de desativação da sua área de qualidade de software. Como os demais membros da diretoria de Glória já não estão na estatal para serem responsabilizados administrativamente, essa bomba poderá acabar no colo de Jucá.

Punições

No fim de semana a revista Veja trouxe mais uma informação, de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, quer a cabeça dos “servidores” do Serpro, que seriam os responsáveis pelo erro de quase US$ 4 bilhões registrados a menos nas exportações brasileiras. Erro que provocou até uma revisão do PIB e deixou a imagem brasileira arranhada no exterior, por suspeitas de manipulação de informações.

Erro nas exportações podia ter ocorrido há dois anos

Em janeiro de 2017 a Superintendência de Desenvolvimento (SUPDE), que na época era comandada pelo atual Diretor de Desenvolvimento, Ricardo Jucá, anunciou uma decisão de descontinuar o “Processo Serpro de Desenvolvimento de Soluções (PSDS). Cuja última atualização do modelo de gestão tinha ocorrido supostamente na gestão Marcos Mazoni, que antecedeu a Gloria Guimarães.

Como efeito prático, Jucá anunciou que a partir de 1º de janeiro seria encerrada as atividades da área voltada para a “Garantia da Qualidade de Software” (GQS). Toda a área responsável há anos pela conferência da qualidade do software desenvolvido para os clientes da Administração Federal, que por muito tempo evitou dissabores para a empresa, acabou descontinuada dentro do Serpro.

A decisão não apenas encerrava o trabalho da equipe especializada nesse processo, mas também abandonava a principal ferramenta que dava o suporte necessário para garantir que novos sistemas não contivessem falhas, denominado pela empresa como “Revisa”.

Não se sabe ao certo se o abandono do processo foi decisão que partiu diretamente de Jucá ou de instâncias superiores. Mas não é comum em empresas estatais superintendentes tomarem medidas que envolvam a desativação de serviços e, até áreas, sem passar pela aprovação da diretoria.

No mínimo os diretores do Serpro em dezembro de 2016 sabiam que tal fato iria ocorrer e meramente deram a autorização ou foram os responsáveis diretos pela decisão de desativação. O que está claro é que Jucá executou a mudança, seja cumprindo ordens sem contestar, como funcionário da casa, ou por iniciativa própria.

Este site tem documentos que atestam que a ordem de desativar partiu da superintendência. Em nenhum deles aparecem nomes de diretores como sendo os reais interessados nesse processo de reestruturação. O argumento oficializado era de que a Garantia da Qualidade do Software passaria a ser “de responsabilidade do próprio time de desenvolvimento, apoiados por instrumentos de autodiagnóstico”.

Ou seja, uma fábrica abriu mão de ter o controle de qualidade do seu produto feito por gente especializada e passou a contar com a sorte de algum consumidor não reclamar de eventuais erros. Só que agora o cliente reclamou, e de um erro de quase US$ 4 bilhões, após dois anos de pura situação de “roleta russa” com o abandono da política de qualidade dentro da empresa.

Tal decisão pode guardar relação com um problema de imagem que o Serpro vinha convivendo com os clientes: frequentemente em pesquisas de satisfação a estatal recebia reclamações de atrasos na entrega de serviços. Em muitos casos não entregues dentro do prazo porque justamente a confiabilidade do sistema ainda não tinha sido atestada pela área responsável pelo controle de qualidade.

Essa desativação gerou o encurtamento de prazos na entrega de soluções, e a “agilidade” era uma da marcas preferidas no discurso da diretoria na gestão Glória Guimarães. Mesmo que para isso a empresa sacrificasse a excelência do serviço, conforme se vê agora. A equipe que trabalhava na Gestão da Qualidade do Software pouco pode fazer para evitar o desmantelamento. Tratavam a medida como “desmonte”, mas no Serpro já é tradição funcionário que discordar da chefia cair em desgraça. Portanto, ou se calavam ou assumiam os riscos de ficarem no limbo administrativo dentro da empresa.

TCU

O fato que mais chamou a atenção, entretanto, foi a Superintendência de Desenvolvimento do Serpro ter omitido ao Tribunal de Contas da União a informação de que estava em processo de desativação da sua unidade de controle da Qualidade do Software. Em 2017 o TCU bateu na porta do Serpro com um questionário, no qual ele buscava saber informações sobre os processos de analise e gestão da qualidade de software.

As informações serviriam para ilustrar o “Levantamento Integrado de Governança Organizacional Pública – Ciclo 2017”, que o tribunal vinha realizando na Administração Federal e nas empresas estatais. E dentre as diversas perguntas que fazia em um questionário, estava justamente se a empresa conferia a qualidade do serviço que prestava.

Ao responder o questionário, o então superintendente Ricardo Cézar de Moura Jucá faltou com a verdade aos auditores do TCU. Não informou que a estatal estava desativando sua área de controle de qualidade e que passaria para o próprio desenvolvedor a responsabilidade do atestado de capacidade técnica do sistema que estava construindo.

Mesmo que o questionário do TCU estivesse chegando num momento de mudanças dentro da empresa, o Serpro teve tempo depois de corrigir a informação, mas não a fez. O Tribunal de Contas da União somente aprovou o relatório final do “Levantamento Integrado de Governança Organizacional Pública – Ciclo 2017” na sessão plenária de 21 de março de 2018.

Ou seja, a mudança realizada pela SUPDE, que permitiu agora o grave erro na balança comercial brasileira e um desgaste de imagem para o Ministério da Economia, já havia produzido outro desgaste anterior. Quando induziu o TCU a aprovar em plenário um relatório baseado em métricas do índice de governança em TI, com base em informações erradas fornecidas pelo Serpro.

Não há no relatório do TCU nenhuma menção direta ao Serpro, que explique que a estatal a partir de 2017 passaria a contar com os próprios desenvolvedores de sistemas na conferência da qualidade do serviço que eles mesmos produziam. Nem tampouco algum esclarecimento posterior das mudanças administrativas feitas na empresa.

Entretanto há um indício de que a diretoria da estatal na época tinha, no mínimo, conhecimento de que mudanças seriam feitas por Jucá, que fariam a empresa abandonar o processo de controle da qualidade do software. Isso ficou patente no Relatório de Gestão do Serpro de 2017, quando a própria diretoria informa que encaminhou resposta ao TCU ao ofício 0343/2017-TCU SecexAdministração”, no qual asseguraram que ainda mantinham uma área responsável pela qualidade do software da empresa, quando na realidade ela estava sendo desativada.

Arrogância

Em 55 anos de História completados este mês, o Serpro nunca passou por dissabores com os sistemas que desenvolveu. Pelo menos não com algo que pudesse gerar o prejuízo da imagem da área econômica no exterior como ocorreu agora. O fato ocorrido recentemente além de ser grave, acaba funcionando como um tiro no pé dado por uma empresa desgastada com notícias de que será vendida à iniciativa privada.

E comprova um fato que este site vem acompanhando nos bastidores da empresa nos últimos meses, sobre o nível de arrogância com que uma nova geração de desenvolvedores vem deixando demonstrar em relação aos funcionários mais velhos, porém mais experientes. A própria desativação da área de controle da qualidade do software era uma reivindicação dos desenvolvedores, que não aceitavam serem “auditados” e expostos quando seus sistemas apresentavam falhas.

A intolerância desses funcionários talvez decorra do fato de que eles se sentem estimulados a falar baseados nos exemplos que recebem de sua própria liderança. O ex-superintendente e atual Diretor de Desenvolvimento, Ricardo Jucá, tem sido o expoente máximo desse discurso contra os funcionários mais antigos da casa.

“Velho não tem que ser teletrabalho. Velho tem mais que ir para casa”, disse em outubro o diretor numa videoconferência, ao tecer comentários sobre a situação de funcionários aposentados do Serpro, mas que ainda estão na ativa dentro da empresa. A declaração gerou uma correspondência da OLT-Serpro do Rio de Janeiro ao presidente, Caio Paes de Andrade, mas os resultados desse questionamento não foram divulgados.

Caio Paes de Andrade

Se ignorou o assunto, isso não seria assim tão surpreendente, se visto pelo prisma do que pensa o presidente da estatal Caio Paes de Andrade sobre seus funcionários e o que fazer com eles sobre um eventual enxugamento dos quadros da estatal. Portanto, se jovens desenvolvedores hoje dizem abertamente que “os velhos no Serpro não prestam para nada”, eles apenas estão replicando como bons papagaios um comportamento que vem de cima, da cúpula da empresa.

Até agora o jovem Jucá podia meter os pé pelas mãos no seu relacionamento com os colegas de trabalho, pois isso não vinha representando risco imediato algum para o seu currículo. Parece até que está sendo estimulado pelos mais experientes da diretoria a seguir nessa direção. O problema é que o diretor foi longe demais. O erro na balança comercial jogou o país numa vala de desconfiança internacional sobre os números reais da Economia brasileira. O prejuízo causado pela decisão dele ainda está sendo contabilizado.