A presidenta Dilma não pretende levar uma proposta de modelo de governança mundial da Internet para o encontro com outros governantes no Netmundial, evento que será realizado entre os dias 23 e 24 de abril, em São Paulo. Entretanto, corre o risco de ser atropelada pelo CGI.br, que acaba de anunciar que levará a ideia de se criar uma espécie de “Marco Civil da Internet Mundial”.
Esse evento nasceu após a presidenta tomar conhecimento pela imprensa e se irritar com o noticiário, de que era espionada pela NSA norte-americana. O governo brasileiro se viu compelido a criar respostas contra o governo dos EUA e a ideia de se discutir um novo modelo de governança mundial da rede acabou se tornando uma das alternativas.
Mas a proposta de um Marco Civil da Internet mundial não saiu das entranhas do governo que, por sinal, nunca teve consenso nas discussões sobre governança da Internet. Ao contrário, essa proposta está sendo empurrada pelo CGI.br para o colo da presidenta, como forma de tentar faze-la se posicionar favoravelmente e se tornar numa espécie de “madrinha” da ideia.
Eu diria que essa estratégia hoje tem 50% de chances de dar certo. A presidenta Dilma pode acabar por concordar com a proposta, embalada num momento de campanha eleitoral, na qual ela precisa de fatos positivos e não pode criar arestas com a sociedade e os ativistas da rede.
Digo que seriam apenas 50%, porque dentro do governo ainda vem operando de forma quase imperceptível o “lado negro da força”, um grupo capitaneado pelo Ministério das Comunicações, que já amargou derrota na sua defesa contra a neutralidade de rede aprovada no Marco Civil, mas conseguiu criar no texto mecanismos que somente serão vísiveis quando vier a regulamentação da Lei, e poderão minimizar parte dos impactos comerciais negativos para as empresas. Esse grupo defende que governos devam ter um controle mais efetivo sobre a Internet.
Engana-se quem pensa que esse grupo está morto, que tenha desistido de lutar pelos ideais que defende e batem de frente com aqueles difundidos pelo Comitê Gestor, que tem apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Esse grupo está vivo e operando dentro do Ministério das Comunicações e tem se movimentado discretamente para não criar constrangimentos para a presidenta.
Mas Já fez uma tentativa de emplacar uma proposta para Dilma levar como sua no Netmundial, evento em que ela será a anfitriã. O Netmundial, convém lembrar, reunirá entre os dias 23 e 24 de abril, em São Paulo, a nata dos pensadores sobre governança da Internet, de todo o mundo.
O texto gerado no Ministério das Comunicações era claro: governos devem controlar a rede, seja por questões de segurança, comerciais, jurídicas, técnicas, etc.
A proposta bateu no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no apagar das luzes da gestão do ministro Marco Antonio Raupp, que não concordou com a ideia. Mandou e-mail para a presidenta criticando o texto.
Seu principal argumento: como o governo brasileiro explicaria ter acabado de aprovar um Marco Civil que tem como preceitos a liberdade e a neutralidade, e depois proporia o controle governamental da Internet?
O texto ficou guardado em alguma gaveta no Palácio do Planalto, sem previsão de uso, a não ser que o debate entre representantes de governos no Netmundial indique esse rumo.
Não é a primeira vez que o Minicom ensaia um controle da rede. Convém lembrar o que ocorreu no último encontro da União Internacional de Telecomunicações em 2012, quando foi aberto um fosso entre dois lados distintos: os que queriam um controle governamental da rede alegando razões de segurança, mas que era um convite à censura da rede (o Brasil fez parte desse grupo) e os países que se insurgiram contra a ideia, capitaneados pelos EUA. No ano seguinte a Anatel também se pronunciou nesta direção, em outro encontro da entidade em Genebra.
A possibilidade de que o tema governança da Internet por meio de governos entre na pauta de discussões do Netmundial não pode ser descartada. Dependerá apenas que algum país manifeste interesse de colocar o tema em discussão ao longo do evento. Em algum momento esse barril de pólvora poderá explodir. A julgar pelas últimas decisões da presidenta quanto ao texto gerado no Ministério das Comunicações, parece que o Brasil não quer ser o responsável por acender esse pavio.
O noticiário de hoje em que informa que o Brasil levará essa proposta de Marco Civil mundial da Internet, tem todas as características de movimento político engendrado no Comitê Gestor da Interner, com apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – rival não declarado do Ministério das Comunicações – para ocupar o espaço deixado pela negativa de Dilma de encampar a proposta daquela pasta como sendo do seu governo.
Agora parece que chegou a vez do CGI de tentar forçar a presidenta a se posicionar favoravelmente ao Marco Civil Mundial, antes de pisar como anfitriã no Netmundial. Os indícios dizem que Dilma não se oporá à ideia, mas não deve chancelar essa discussão como sendo uma proposta do governo.