Por Alexandre Duarte* – Nos últimos dez anos vivemos o apogeu dos serviços de nuvem. Data Centers, conectividades, microsserviços e até a integração de ponta a ponta com a estratégia de negócios estiveram no centro das discussões de tomadores de decisões e profissionais de tecnologia por todo mundo. Para se ter uma ideia de como cloud e negócios passaram a ser termos indissociáveis, de acordo com previsões do Gartner, o mercado de soluções baseadas no ecossistema deve crescer cerca de 20% em 2023, movimentando quase US$ 600 bilhões no fornecimento de estrutura, segurança e outras aplicações comerciais.
Embora o mercado todo esteja apontando para as nuvens, em um movimento de manada de adesões, isso não quer dizer que todos tenham definido com clareza suas estratégias. Um bom indicativo dessa premissa foi um movimento observado em várias empresas no ano passado. Mesmo munidas de estruturas e soluções de ponta no ambiente de cloud, algumas organizações repensaram suas arquiteturas de TI e preferiram retornar às aplicações on-premise, ou seja, dentro dos seus próprios servidores e DataCenters para frear gastos. À primeira vista, essa migração poderia representar uma dinâmica passageira, na qual tomadores de decisões estudam novas possibilidades de rentabilidade; na prática, aponta para um novo paradigma comercial, estratégico, e antes do que mais nada, uma transformação cultural que pode impactar todo o mercado.
De acordo com um levantamento IDG Research, realizado pela consultoria Foundry no ano passado com 850 lideranças do setor de Tecnologia da Informação (TI), 71% dos respondentes preferem manter parte de sua estrutura e fluxos de trabalho (workloads) distantes de ambientes de nuvem. Além disso, apenas um décimo de todos os chefes de setores de tecnologia acredita que o ecossistema de cloud deva comportar o core das atividades de empresas. Para esses executivos, a estratégia de nuvem deve ser central a alguns setores mas não pode ser encarada como uma solução final para o planejamento de negócios, ou mesmo vista como uma panaceia corporativa.
Custo, implementação e treinamento
Até pouco tempo, mais ou menos 10 ou 15 anos, estratégias de Cloud First e soluções de nuvem eram os principais capacitadores e propulsores para negócios localizados em pequenas e médias startups, as quais, por serem mais novas, já carregavam em seu DNA uma mentalidade disruptiva, flexível e escalável. Hoje, gigantes dos segmentos de transporte, entretenimento, varejo e hotelaria se valeram de ferramentas e servidores nesses ecossistemas para destacarem-se no mercado por meio de um serviço de ponta, com agilidade e qualidade. Logo, não demorou para a estratégia também ser atrativa a organizações já estruturadas e tradicionais.
Redução de custos, agilidade nas entregas e uma gestão organizada de processos e demandas. A princípio, o universo dos serviços de Cloud teria desvelado uma mina de ouro para empresas e negócios de todo o tipo, sobretudo durante a pandemia, momento em que consumidores trabalhavam, divertiam-se e se exercitavam graças a um computador ou a uma tela de celular. O casamento parecia — e por muito tempo foi — perfeito. De multinacionais a pequenos negócios regionais, a mentalidade de nuvem reinou soberana durante os tempos de incerteza da economia global, principalmente, devido à reformulação das cadeias produtivas. Mas em 2022, a conta desse sonho perfeito começou a chegar.
Uma análise de mercado feita pela consultoria de tecnologia, Andreesen Horiwitz, ainda em 2021, mostrou o paradoxo trilionário dos serviços de nuvem: a despeito da escala das operações ter aumentado, o custo de infraestrutura, recursos e assistência dentro do ambiente de cloud duplicou a fatura empresarial no fim do mês. Ainda segundo o relatório, especialistas em finanças afirmam que voltar para o ambiente on-premise, ou seja, para dentro das próprias companhias, pode representar de 30% até metade dos custos de manutenção de aplicações nos servidores locais. Isso porque grande parte do mercado de software e servidores remoto trabalha com pacotes e templates fechados, nos quais você paga por um serviço que nem sempre consegue desfrutar de todo o potencial da solução.
Aos custos preestabelecidos e às tais cláusulas de lock-in (exigência contratual que obrigada o cliente a fazer uso exclusivo dos softwares e serviços da fornecedora) somam-se outras duas dificuldades: os obstáculos de implementação da infraestrutura e os gargalos dessa nova tecnologia na cultura empresarial e, mais precisamente, no dia a dia de colaboradores e prestadores de serviços. Desafios que não apenas encarecem o fluxo de processos, como também diminuem a paciência e confiança de gestores com as ditas “soluções perfeitas”.
A primeira adversidade diz respeito ao tamanho e à maturidade da empresa quando as ferramentas de cloud chegam no ecossistema corporativo. Enquanto organizações pequenas atingem índices de Retorno de Investimento (ROI) astronômicos quando aderem às soluções nos primeiros estágios de negócios, médias e grandes organizações verão os resultados em médios e longos prazos, tendo em vista o esforço de migração e adequação dos setores para essa nova lógica centrada em cloud computing.
Segundo um levantamento da consultoria brasileira Sky.One, feito com mais de mil líderes de tecnologia entre 2020 e 2021, as empresas que melhor se adaptam às estruturas e lógicas 100% voltadas a cloud são as médias e pequenas organizações. Em tempo, isso não quer dizer que o mundo das nuvens será resguardado a certos tipos de negócios. Absolutamente. Significa tão somente que para companhias já consolidadas, com um portfólio lucrativo e história longeva, é mais interessante adotar perspectivas híbridas de nuvem, nas quais as soluções e estruturas possam potencializar objetivos comerciais e expandir o escopo das operações desde as bases conquistadas.
E na outra ponta da estratégia, é sempre pertinente considerar a cultura corporativa, as necessidades diárias do negócio. É certo que migrar para ambientes de nuvem (movimento chamado de on-boarding) pode ter revolucionado a maneira de pensar e prospectar negócios, ampliando o escopo de atividades; por outro lado, é interessante paralisar todo o workflow (fluxo de trabalho) quando aparecem gargalos nos serviços e ninguém na empresa tem a mínima ideia de como resolvê-los? Nesse e em outros casos, ser flexível para trabalhar tanto no modelo on-line quanto off-line pode ser uma estratégia que não apenas beneficia o ritmo e sequência de trabalho, como também uma oportunidade para desenvolver a mão de obra de vários setores da empresa de maneira holística e equilibrada, tornando equipes mais preparadas para o futuro.
O nome do jogo: flexibilidade e governança
Nos últimos meses, analistas da área de tecnologia e gestão de empresas vêm apontando para um possível Backlash (recuo) na migração de empresas para ambientes cloud e adoção de serviços nesse ecossistema. Entre os principais pontos ressaltados por especialistas estão a otimização de custos, os problemas com segurança corporativa (principalmente com casos de sequestro de dados) e os gaps de competência empresarial e técnica para gestão de negócios 100% baseados em nuvem. Certamente, esses obstáculos são complicadores para vários tipos de empresas, sobretudo, aquelas com estruturas já consolidadas e que não têm certeza sobre viabilidade da cloud computing no longo prazo (call to value), tampouco a efetividade (call to market) para a estratégia on-premise no curto e médio prazo.
Nesse panorama de incertezas, avaliações e cifras cada vez mais surpreendentes no mercado de plataforma, soluções e serviços de nuvem, um consenso geral irrompe entre gestores e autores do mundo corporativo: o ideal é ser flexível e ter uma excelente gestão financeira colaborativa. Seja na tomada de decisões com subscrição integral de tecnologia, seja na maneira de preparar colaboradores para apenas algumas funcionalidades de cloud, o atributo fundamental deve ser amplitude para pensar e implementar estratégias sustentáveis que gerem valor ao negócio.
Cloud FinOps é um conceito emergente que vem ganhando espaço nos últimos anos. O FinOps é uma disciplina de finanças e DevOps, que ressalta a importância da colaboração das equipes de TI, finanças e negócios em proporcionar transparência financeira e uma prestação de contas detalhada do uso dos recursos de cloud computing. Ela combina tecnologias de observabilidade e gestão financeira para melhorar a governança e a transparência no uso dos recursos, fornecendo sustentabilidade para a estratégia de cloud nas corporações.
Um levantamento do ano passado, feito pela IDC, escutou cerca de 2.400 funcionários de TI de três companhias líderes no setor (Inter, Twitter e Preferred Networks, empresa de referência em deep learning situada no Japão) e chegou a uma única conclusão: o mercado será dominado pela estratégia híbrida. Para 71% dos colaboradores entrevistados, nos próximos dois anos grande parte dos workloads deverá ser redistribuída entre nuvens privadas ou ambientes internos das empresas a fim de executar e planejar processos com mais precisão, controle, e antes de mais nada retenção de gastos desnecessários.
Essa provável retração no número de aderentes e clientes diretos dos serviços de nuvem revela um paradigma importante do nosso tempo. Se até pouco tempo empresas em todo mundo estavam acelerando seus investimentos para expandir seus portfólios de nuvem e capitalizar seus ganhos, principalmente no auge da pandemia, hoje, muitos gigantes, em aparente paradoxo, promovem layoffs. Enquanto isso, alguns negócios com estratégias mais tradicionais — mas nem por isso 100% analógicas —, mantiveram seu crescimento e, mais, conquistaram novas fatias de mercado de maneira progressiva, inteligente e responsável. Nessa medida, a tecnologia pode ser revolucionária, mas como toda boa ferramenta de negócios precisa ser estudada, equacionada e direcionada por especialistas, gestores e analistas para apresentar os melhores resultados.
Em outras palavras, em um momento de constantes e profundas transformações, principalmente no ramo da tecnologia empresarial, tudo prescinde de estratégia e planejamento até a adoção. A divisa de empresas e organizações deve buscar uma mentalidade flexível de mercado, na qual enxergue as tendências globais e ao mesmo tempo centralize esforços em sua cultura local: clientes, colaboradores, segmentos e, antes de mais nada, a portabilidade de negócios. Afinal, core de operações não deve pautar-se pelo número de nuvens, dataCenters, conectividades e microsserviços ou talentos para resolução de desafios, mas sim pela capacidade de antever, identificar e atender demandas, promover mudanças rápidas e efetivas e propagar a colaboração, o equilíbrio, a flexibilidade e a governança sustentável no longo prazo.
Culturas bem consolidadas, ordenadas e direcionadas para seus públicos, produtos e táticas de engajamento se tornam mais potentes quando alinham suas práticas e processos a novas soluções tecnológicas e pessoas especializadas. Ademais, contratar para sua empresa um trusted advisor que possa guiá-la em sua jornada digital e tirar o melhor de cada estratégia (nuvem, on-premise ou multinuvem) tornou-se fundamental não apenas para implementação da tecnologia mas também para fornecer direção e orientação na adoção de soluções, treinamentos para seus colaboradores e emprego efetivo de melhores práticas. Afinal, confiar que um único supercomputador irá levar prosperidade a organizações de todo o mundo é acreditar, ainda, que uma boa estratégia se baseia em presságios e adivinhações e não em decisões racionais e trabalho duro.
*Alexandre Duarte é Vice-Presidente de Serviços para a Red Hat América Latina.