Ceitec volta a correr risco de extinção

Mais uma vez a Ceitec S/A está sob ataque no Legislativo Federal. Desde 2023 vem tramitando de forma silenciosa na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, o Projeto de Decreto Legislativo 397/23, que tem por objetivo sustar o Decreto nº 11.768, assinado pelo presidente Lula, que autorizou a reversão do processo de dissolução societária do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A. – Ceitec.

O projeto só não foi votado pela comissão na sessão da última terça-feira (25), porque além da falta de quorum, ocasionada devido à viagem do presidente Hugo Mota ao Japão, também foi constatada a ausência do relator, deputado Julio Cesar Ribeiro (Republicanos -DF). Do contrário teria passado sem contestação, já que o relator divulgou o seu parecer favorável pela aprovação da matéria. Ninguém do governo estava presente para impedir a votação.

A Ceitec não tem paz e vem sendo desmontada desde o Governo Bolsonaro, quando o então Ministério da Economia abriu o processo de extinção. Que só não teve êxito por conta de uma série de atrasos administrativos. Entre eles o fato do TCU ter paralisado o processo para apurar melhor o assunto. A demora acabou beneficiando a estatal do chip, que foi poupada da extinção com a chegada do Governo Lula. Durante a campanha presidencial Lula prometeu rever essa situação e assim o fez. Mas a empresa continua sendo sabotada no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.

O autor

O projeto de Decreto Legislativo deu entrada na Câmara dos Deputados no dia 6 de novembro de 2023, mesma data da assinatura do decreto de Lula que autorizou a reversão do processo de dissolução da estatal do chip. A proposta legislativa é resumida num único parágrafo, que susta os efeitos do Decreto de Lula, ou seja, retorna a estatal ao processo de dissolução societária.

Essa proposta foi apresentada pelo deputado federal, Rodrigo Valadares, do União Brasil de Sergipe (foto). Ai começam as estranhezas. Primeiro, Sergipe não é um estado que guarde alguma relação com a Ceitec, já que a estatal está instalada no Rio Grande do Sul. Seria mais óbvio que um parlamentar gaúcho tomasse a iniciativa nesse sentido, uma vez que teria mais chances de conhecer a verdadeira realidade da empresa.

Em segundo lugar, o deputado sergipano não demonstra ter alguma intimidade com fabricação de semicondutores e suas atividades legislativas sequer passaram alguma vez pela área. O currículo de Rodrigo Valadares também não consta que alguma vez na vida ele tenha pisado numa fábrica de semicondutores ou tenha participado de alguma atividade relacionada ao setor.

Segundo os dados do portal da Câmara, as atividades profissionais do parlamentar sergipano corroboram com uma ficção política. Rodrigo Valadares um certo dia acordou e decidiu: “vou extinguir uma empresa que fica lá no Rio Grande do Sul”. Mesmo sem saber nada à respeito da tal companhia.

O seu currículo mostra que Valadares entende tanto de produção de chips, quanto pilotar um submarino. Seu passado profissional mais relevante, antes de se tornar deputado federal pelo Sergipe, foi um mandato de deputado estadual pelo PTB no período de 2019 a 2022.

Afora essas duas atividades políticas, Rodrigo Valadares apenas atuou como professor do curso de inglês Wizard em Aracaju (SE) em 2008; como administrador do “Auto Posto Mephs”, também em Aracaju no ano de 2011 e foi sócio administrador da “RN Rent a Car”, também na capital sergipana.

Seu ingresso para a vida pública começou em Pernambuco, quando assumiu o cargo de “coordenador de Novos Negócios do Complexo Industrial Portuário de SUAPE”. Em seguida, Valadares veio para Brasília pelas mãos de algum político a assumiu um cargo de Assessor no Ministério de Minas e Energia, entre 2017 – 2018.

Imaginem, o professor de inglês do Wizard de Aracaju e “administrador” do “Auto Posto Mephs”, trabalhava ao lado do ministro de Minas e Energia, que na época (2017/2018) o cargo foi ocupado por Fernando Coelho Filho (União-PE) e o ex-governador do Rio de Janeiro Moreira Franco.

“ctrl c – ctrl v”

Os argumentos utilizados pelo deputado sergipano Rodrigo Valadares para propor o retorno da Ceitec à condição de empresa em extinção são idênticos aos proferidos em 2021 pelo relator do processo no TCU, ministro Walton Alencar. Não passam de uma cópia do relatório do Tribunal de Contas da União que confirmou a necessidade de extinção da Ceitec.

“A empresa, que ficou conhecida por produzir chips para monitoramento de bovinos, teve a sua liquidação acompanhada pelo Tribunal de Contas da União desde o ano de 2021 por causar inúmeros prejuízos ao erário público; apesar de ter recebido da União quase R$ 600 milhões de 2010 a 2018, acumulou um prejuízo de R$ 160 milhões no mesmo período”, alega o deputado Rodrigo Valadares na justificativa que acompanha o seu projeto.

O parlamentar sergipano também acredita que, mesmo que a fábrica volte a operar, a Ceitec deverá continuar causando prejuízos ao erário, por entender que a companhia representa apenas 0,5% do mercado de semicondutores no Brasil. “Ressalta-se que nem mesmo a própria Administração Pública Federal adquire produtos fabricados pelo Ceitec, como chip para passaportes, carteiras de identidade e produtos eletrônicos em geral”, destacou ele. O que não deixa de ser uma verdade ocorrida após os governos Temer e Bolsonaro, que trabalharam ativamente pelo desmonte do setor público no Brasil.

Ele também entende que a manutenção da empresa Ceitec “fere de morte o Artigo 173 da Constituição”, que prevê que “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”. Para o deputado, o setor de semicondutores “não se enquadra nesta definição e a reversão da companhia visa apenas manter interesses que vão em desacordo com a boa administração pública”.

Reativação

A reativação da estatal no íncio do Governo Lula levou em conta a estratégia de se ter um mínimo de produção de semicondutores no Brasil para tentar aborsorver os impactos de futuras crises no setor, como a que ocorreu durante a pandemia da Covid-19 e abalou a indústria eletrônica mundial.

Entretanto, a reativação da Ceitec vem se arrastando à passos de tartaruga, ao ponto do presidente da estatal, Augusto Gadelha, ter feito há sete meses um duro desabafo durante o painel “Desafios e Perspectivas para a Indústria de Semicondutores no Brasil”. Gadelha aproveitou o debate ocorrido na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, evento que contou com a participação de Lula, e cobrou decisão política do governo sobre a reativação da empresa.

O fato é que de depois do desabafo de Gadelha, pouca coisa parece ter mudado nos rumos da Ceitec. A impressão que se tem é que o MCTI está cozinhando o assunto em fogo brando para não desagradar o presidente, que prometeu a reativação durante a campanha eleitoral. E só.

Tanto que o seu orçamento previsto para 2025 vai levar outro tombo no comparativo com o de 2024. Para este ano foi inicialmente orçado para a Ceitec R$ 60,369 milhões. Depois de um pequeno cancelamento na verba estimada, a proposta final caiu para R$ 59,169 milhões.

Só que esse valor, comparado ao que entrou no caixa da Ceitec no ano passado, é muito menor e provavelmente isso exigirá que ao longo deste ano a empresa receba suplementações para se manter de pé.

Em 2024 a proposta inicial de orçamento da estatal do chip era de apenas R$ 45,610 milhões. Mas durante a execução dele houve suplementações que elevaram a quantia para R$ 93,251 milhões. Esse valor foi mais que suficiente para a Ceitec pagar R$ 81,587 milhões por contratos que manteve nas suas atividades administrativas.

Já este ano o quadro é sombrio. Se for mantida a proposta original no Orçamento/2025 de R$ 59,169 milhões, isso significa que a Ceitec perderá recursos em torno de R$ 34,082 milhões na comparação com o ano passado. E terá de operar no vermelho novamente. É tudo que os defensores da sua extinção querem para voltarem com carga total contra a existência da empresa.

Há ainda uma expectativa de que a Finep feche um acordo de repasse R$ 220 milhões provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para a Ceitec poder realizar ao longo de três anos o projeto de produção em escala de semicondutores de carbeto de silício (SiC), pagando pela transferência de tecnologia, licenciamento de patentes e internalização de novos processos produtivos. Esse novo modelo permitirá que a estatal produza chips voltados para a estratégia do país de realizar uma transição energética.

Os desembolsos desse dinheiro terão o seguinte cronograma, que já está atrasado:

No primeiro ano (2024): R$ 96,5 milhões ( o dinheiro está parado numa Fundação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e ainda não foi usado);

No segundo (2025): R$ 101,5 milhões; e

No terceiro (2026): R$ 22,36 milhões.

Só que até a gora a empresa não viu nenhum tostão da Finep, segundo informações extraoficiais obtidas na empresa. A Finep deve explicações para a demora e também esclarecer algumas dúvidas sobre esse convênio: 1 – o dinheiro virá da parcela não reembolsável? A Ceitec não tem dinheiro nem para comprar um grampo; então dificilmente poderia buscar esse recurso por meio de empréstimo na agência de fomento ou no BNDES. e 2- A Finep pode destinar um recurso carimbado como o FNDCT não reembolsável, para custear reforma ou ampliação de fábrica?

*Mistérios.