BRICS têm janela estreita para construir soberania tecnológica, alerta especialista indiano

Para o Major General do exército indiano, Pawan Anand, especialista do Centro de Tecnologias Emergentes da United Services Institution, Brasil e Índia enfrentam riscos comuns de dependência digital e vulnerabilidade geopolítica. E fez um alerta durante audiência pública na Câmara dos Deputados: “Quando a disrupção chega, há duas opções — resistir ou inovar. O BRICS precisa escolher inovar. Nossa janela de oportunidade é pequena, e devemos aproveitá-la da forma mais rápida e inteligente possível.”

Durante sua fala, ele comparou as trajetórias das duas maiores economias emergentes do Sul Global: “O Brasil é um país grande, com um PIB mais alto; a Índia, por sua vez, tem um mercado maior e uma população muito mais numerosa. Ambos enfrentamos desafios semelhantes e podemos traçar caminhos comuns”, disse.

Riscos à soberania tecnológica

O especialista dividiu sua análise em três partes: riscos, estratégias e um roteiro de políticas públicas.
Segundo ele, há cinco grandes riscos que hoje ameaçam a soberania tecnológica dos países em desenvolvimento. O primeiro é a hegemonia digital. “Vivemos um multiverso digital controlado por poucos atores. Assim como a tecnologia nuclear moldou a geopolítica após a Segunda Guerra, a inovação digital está moldando o poder global. E novamente o domínio está nas mãos de poucos países ocidentais”, afirmou Pawan Anand.

O segundo risco, segundo ele, é o uso da economia como arma geopolítica. Ele citou as tarifas impostas contra Índia e Brasil. “O Brasil enfrenta cerca de 50% de tarifas e a Índia 25% — e mais 25% quando compra petróleo da Rússia. Trata-se de pressão política. O mesmo país que nos pune negocia com Moscou o acesso a terras-raras e petróleo”, criticou, referindo-se aos Estados Unidos.

Outros três riscos citados foram a dependência de fornecedores únicos em cadeias digitais, a fragilidade dos chips e cabos submarinos, e a polarização étnica e social alimentada por tecnologias e campanhas de desinformação. “Precisamos evitar o tecnonacionalismo destrutivo, que serve como instrumento de desestabilização”, alertou.

Estratégias

Anand propôs três direções estratégicas a serem adotadas pelos países do bloco:

  • A primeira é criar interdependências positivas entre os países do BRICS. “A confiança nasce das interdependências. Mesmo que não existam naturalmente, devemos construí-las. Precisamos de políticas ágeis, adaptáveis e cooperativas.”
  • A segunda é harmonizar regulações e padrões digitais. Ele sugeriu que Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul criem grupos trilaterais e bilaterais de cooperação para desenvolver tecnologias emergentes — do 5G ao 6G, da inteligência artificial à cibersegurança.
  • A terceira é a criação de centros conjuntos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) voltados à IA, cibersegurança e computação quântica. “Estamos prestes a entrar na era da pós-criptografia quântica. Precisamos trabalhar em conjunto para desenvolver algoritmos de proteção e garantir que nossa infraestrutura digital seja resiliente”, disse.

Ele também defendeu a criação de centros de resposta a incidentes cibernéticos integrados entre países do BRICS, bem como acordos de infraestrutura tecnológica em múltiplas moedas, reduzindo a dependência do dólar.

Cooperação Brasil–Índia

O especialista também destacou a necessidade de fortalecer a relação bilateral entre Brasil e Índia, citando as seguintes medidas consideradas por ele como prioritárias:

1 – Estabelecer um marco comum para tecnologias emergentes.

2 – Criar hubs de P&D conjuntos para IA e segurança quântica.

3 – Harmonizar regulações e protocolos digitais.

4 – Desenvolver acordos bilaterais em múltiplas moedas.

5 – Compartilhar informações de inteligência cibernética e resposta a incidentes.

6 – Treinar especialistas conjuntos em regulação e inovação digital.

7 – Implementar “sandboxes regulatórios” para testar tecnologias.

“Essas metas são viáveis quando existe vontade política. A União Europeia fez algo semelhante em um ano. O BRICS pode fazer em menos tempo, se houver decisão dos líderes”, observou, citando nominalmente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como exemplo de liderança com “voz ativa no debate sobre soberania digital e multipolaridade”.

Pawan Anand participou de audiência Pública na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação da Câmara dos Deputados, que abordou o tema:  “Soberania Tecnológica no Brasil, no Sul Global, nos países Brics”.