Era para ser um evento presencial, mas a pandemia do Covid-19 acabou com os sonhos de passar pelo menos uma semana em Londres, com tudo pago, e sabe-se lá por quem e com que interesses comerciais, que nunca são públicos.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD, um órgão vinculado à Presidência da República, está participando com os seus cinco diretores recém nomeados de uma “Missão UK”, que seria por definição: “um encontro de ecossistemas: a proteção de dados no Brasil e no Reino Unido”.
O promotor desse “encontro de ecossistemas” é o ITS-Rio de Janeiro, que se autodefine em sua página: “um instituto de pesquisa independente e sem fins lucrativos”. Ou seja, mais uma organização social que orbita governo, mas é eclético, porque também tem um pé no Facebook. O importante é que sempre atua sem “visar lucro”.
Temos uma Lei Geral de Proteção de Dados que está em vigor, mas falta regulamentar uma série de artigos e não pune ninguém, já que as multas só valerão no ano que vem. Junte a isso, uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados vinculada a um governo, com três milicos uma técnica e uma advogada, que não tem nem um prédio para ocupar, nenhuma equipe para mandar e trabalhar e nenhum orçamento para gastar.
Então indaga-se: o que raios a ANPD brasileira teria para trocar de experiências sobre “ecossistemas” com uma autoridade britânica de proteção de dados?
Também é de se perguntar o que alguns membros de um Conselho Consultivo – que sequer ainda foi estruturado e nem tem ideia sobre os rumos que tomará futuramente em relação à própria ANPD – estariam fazendo nessa “comitiva virtual”?
A demora na estruturação dos dois organismos vem causando incertezas no mercado, na mesma proporção que tem virado uma grande oportunidade de futuros negócios para alguns advogados, que gozam do privilégio da proximidade que outros não terão com essa autoridade máxima da proteção de dados do cidadão brasileiro. Proximidade essa conferida pelos poderes que representam, não necessariamente por relacionamento técnico ou profissional.
Agora sabe-se também que uma organização social “sem fins lucrativos” supostamente pode estar bancando viagens de autoridades brasileiras, possivelmente com tudo pago pelo governo britânico, já que a ANPD não tem dinheiro sequer para comprar uma caneta. Que “projeto” com o governo britânico é esse do ITS?
Curiosamente, nem todos do Conselho Consultivo da ANPD estarão presentes na “Missão UK”. Os representantes da Câmara dos Deputados, Danilo Doneda e Fernando Antônio Santiago Junior, não estão listados pelo representante do Senado, Fabrício da Mota Alves, em sua postagem sobre o evento no Instagram.
Entretanto, consta a presença da Advogada, Evelyn Melo Silva, que trabalha no gabinete do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) com salário de R$ 12 mil, mas nenhuma representação pela Câmara no Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais. Em sua postagem no Instagram, Fabrício a citou como representante daquela casa legislativa.
Da forma como foi divulgada, essa “Missão UK” tem cara de ação entre amigos, um trem da alegria de fim de ano, pois não é um evento oficial e aberto à todos os advogados do Brasil. Assim como não é para a imprensa, para empresas, nem para todo o público em geral interessado na questão da proteção de dados do Brasil.