Amorim abre as portas do Serpro para instituto paranaense investigado por corrupção

O presidente do Serpro, Alexandre Amorim, acaba de trazer para o governo federal empresas do Paraná que já foram investigadas por corrupção na Prefeitura de Curitiba. Essas empresas comandam um cartel através do Instituto das Cidades Inteligentes (ICI), organização social que já foi presidida por Alexandre Amorim entre outubro de 2021 a fevereiro de 2023. O ICI mesmo sendo uma “entidade sem fins lucrativos”, detém o controle de todos os contratos de serviços de tecnologia da Prefeitura de Curitiba e já chegou a faturar mais de R$ 680 milhões, segundo auditoria do Tribunal de Contas do Estado.

A atuação mais recente de Amorim em favor das empresas paranaenses que controlam o ICI e, por intermédio dele, a prefeitura curitibana, ocorreu no último dia 25 de setembro. O Serpro anunciou o fechamento de um contrato por demanda de serviço de até R$ 12 milhões com o Governo do Distrito Federal, para disponibilizar inicialmente duas mil máquinas virtuais que serão utilizadas no “Programa Horizontes Digitais” da Secretaria de Educação – lançado pela vice-governadora Celina Leão.

A estatal apenas funcionará como “barriga de aluguel” para a verdadeira dona das máquinas virtuais e que prestará o serviço: a empresa Arlequim Technologies, do empresário Haroldo Jacobovicz. O valor estimado de R$ 12 milhões pelo serviço prestado ao GDF foi divulgado ao portal Convergência Digital numa entrevista feita com o subsecretário de Operações em TIC da Secretaria de Educação do DF, Luan Lopes Leite. Em sua página oficial a estatal informa que tem o projeto “Serpro Virtual” em parceria com a Arlequim. “O Serpro Virtual combina a expertise do Serpro em soluções de TI para governo com a especialização da empresa parceira Arlequim em soluções de estações virtuais em nuvem”, informa a estatal em sua página na Internet.

DFTRANS

O empresário e dono da Arlequim Tecnologias, Haroldo Jacobovicz (foto), é um velho conhecido do Governo do Distrito Federal. O DFTRANS (Transporte Urbano do DF) firmou, em 2008, contrato com o Consórcio Minauro Informática Ltda, JFM Informática Ltda e Voxtec Engenharia e Sistemas Ltda para a execução de serviços técnicos de gestão integrada de informações de transporte. O valor do contrato chegou a R$ 21 milhões. A empresa Minauro Informática era a cabeça do consórcio e também de propriedade do empresário paranaense Haroldo Jacobovicz.

O Tribunal de Contas do Distrito Federal iniciou uma inspeção no contrato por suspeitas de sobrepreço, serviços desnecessários e irregularidades na execução. As principais irregularidades apontadas pelos auditores do Tribunal de Contas do DF foram as seguintes:

Achado 1 – Sobrepreço nas horas contratadas, com prejuízo estimado: R$ 8,99 milhões (atualizado para R$ 10,5 milhões à preços da época).
Responsabilizados o consórcio e gestores que aprovaram o contrato.

Achado 2 – Excesso de pontos de função atestados, com prejuízo: R$ 3,87 milhões (atualizado para R$ 4,54 milhões à preços da época).
Responsáveis: consórcio e gestor do contrato.

Achado 3 – Sistema de Gestão de Material desnecessário, com valor inicial do prejuízo: R$ 2,74 milhões. Mas que acabou reduzido para R$ 377 mil (atualizado para R$ 442 mil), após comprovação de parte dos serviços. Os Responsáveis pelo contrato apontados pelo TCDF foram o então governador José Roberto Arruda, além de gestores do DFTRANS e as empresas participantes do consórcio.

Achado 4 – Serviços atestados sem execução, que causaram um prejuízo: R$ 3,24 milhões (atualizado para R$ 3,8 milhões). Após a conclusão das investigações, o tribunal de contas responsabilizou as seguintes pessoas e empresas:

José Roberto Arruda (governador do DF à época).
Paulo Henrique Munhoz da Rocha (diretor-geral do DFTRANS).
Moisés da Costa Souza (subscritor do contrato).
André Luis Pires Margalho (gestor do contrato e elaborador do projeto básico).
Empresas do consórcio (Minauro, JFM, Voxtec).

Ao final do processo, o TCDF decidiu pela suspensão dos pagamentos do contrato e posterior rescisão (comunicada em setembro de 2010). Converteu o processo em Tomada de Contas Especial (TCE) e determinou que os responsáveis recolhessem os valores do prejuízo. O processo foi remetido para o Ministério Público por indícios de falsidade ideológica e improbidade administrativa. E ainda houve a inclusão dele como fator negativo nas contas anuais do DFTRANS (2009).

O caso foi associado ao contexto da Operação Caixa de Pandora, que investigou um esquema de corrupção de empresas de informática no DF durante a gestão do governador José Roberto Arruda. Porém, nenhum resultado negativo pesou contra a empresa Minauro nesse episódio, além do desgaste da imagem da empresa.

Instituto das Cidades Inteligentes

O Instituto das Cidades Inteligentes (ICI) foi fundado em 1998 pelo ex-prefeito de Curitiba, Cássio Taniguchi. Não está clara a participação do empresário paranaense Haroldo Jacobovicz (foto), na fundação ou no comando desta entidade. A página do ICI não traz a relação de todos os empresários que comandaram a instituição. Entretanto, na imprensa paranaense Jacobovicz é apontado como o “dono” da organização ou pelo menos é o empresário de maior influência sobre ela.

O ICI é um caso bem sucedido do famoso discurso Liberal do “Estado Mínimo”, mas que por trás esconde um festival de escândalos de corrupção nas relações entre os entes públicos e privados. No dia 30 de junho de 2016 o Ministério Público do Paraná, por meio do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) deflagrou a “Operação Fonte de Ouro” e cumpriu seis mandados de busca e apreensão no Instituto das Cidades Inteligentes e cinco em escritórios de empresas responsáveis e de contratados por ela.

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A operação foi motivda após relatório do Laboratório de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro, emitido em 2015, que revelou um grande esquema criado para esses fins dentro do ICI, através de empresas de informática. Algumas delas de propriedade do empresário Haroldo Jacobovicz.

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Para que fique claro, a Arlequim Technologies, que fechou contrato via Serpro com o Governo do Distrito Federal, de propriedade de Haroldo Jacobovicz, não estava listada na “Operação Fonte de Ouro” que investigou a corrupção do ICI nos contratos de informática mantidos por empresas com a prefeitura de Curitiba. As empresas citadas de propriedade do empresário no relatório do GAECO foram quatro:

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A Horizons Telecomunicações já não está mais na propriedade de Haroldo. Foi vendida para o investidor Nelson Tanure. Um detalhe ficou claro na investigação do Ministério Público. Na época os contratos de serviços prestados pelas empresas de Haroldo Jacobovicz eram muito mais caros na comparação com serviços prestados por outras empresas.

Para os investigadores, embora fossem necessárias mais apuração dos fatos, os contratos das empresas do dono da Arlequim eram altos o suficiente para corroborar as denúncias de que foram feitos desvios de dinheiro da Prefeitura de Curitiba para financiar campanhas políticas no Estado do Paraná.

E eles fizeram questão de manifestar essa informação em seu relatório de análise das denúncias:

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Mesmo com todas as evidências, o portal Migalhas informou que a 2ª câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná trancou a investigação criminal do MP no âmbito da Operação Fonte de Ouro. O caso ficou sob a relatoria do desembargador Mário Helton Jorge, que ao anlisar uma petição dos advogados dos envolvidos no escândalo entendeu que houve “excesso de prazo” para o conclusão do inquérito. Segundo o Migalhas, o relator ponderou que o MP teve ciência das supostas irregularidades em 2011, quando instaurou inquérito civil.

“Pois bem. Nos termos do artigo 5º LXXVIII, da Constituição Federal, ‘a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação’.”

Aparentemente ninguém acabou punido neste processo. Além de Haroldo Jacobovicz se livrar da confusão, outro beneficiado com a decisão judicial foi o então presidente do ICI, Luís Mário Luchetta (foto), que chegou a ser alvo de pedido de prisão temporária por suspeitas de participação nos contratos das empresas com a prefeitura de Curitiba. Mas acabou beneficiado pelo tribunal que negou a solicitação do Ministério Público. Além de presidente do ICI, Luchetta também presidiu a Assespro Nacional – Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro). Hoje ele se apresenta no LinkedIn como “Consultor de parcerias e mercado no ICI – Instituto das Cidades Inteligentes”.

Contas a pagar

Apesar de escaparem dos braços da “Operação Fonte de Ouro”, o ICI e as empresas de informática ainda acabaram tendo de responder pelas irregularidades no Tribunal de Contas do Paraná. Uma auditoria para avaliar contratos de gestão e contratos entre a Prefeitura de Curitiba e o Instituto das Cidades Inteligentes, realizada entre maio e novembro de 2015, constatou uma série de irregularidades.

A auditoria concluiu que o Controle Interno municipal era ineficaz no acompanhamento dos contratos. Os principais achados da auditoria foram os seguintes:

a – Governança de TI

Ausência de governança: a Prefeitura não tinha controle estratégico sobre a área de TI, que ficou sob domínio do ICI. Dependência excessiva: bancos de dados, acessos e permissões eram controlados exclusivamente pelo ICI, limitando autonomia da Prefeitura. Comitê de TI inexistente: discussões eram feitas no Conselho de Administração do próprio ICI, com participação de secretários municipais, mas sem formalização adequada. Planejamento deficiente: só a partir de 2013 foram elaborados PDTI e PETI; não existiam registros anteriores.

b – Problemas Operacionais

Retrabalho e atrasos: servidores relatavam demora em atender solicitações e necessidade de criar controles paralelos em Excel. Falta de transparência: impossibilidade de verificar autenticidade de horas cobradas pelo ICI. Limitações tecnológicas: sistemas considerados inferiores aos utilizados anteriormente pela própria Prefeitura. Ausência de métricas: não havia parâmetros de custo-benefício para avaliar contratos e serviços.

c – Contratos e Valores

O contrato n.º 19.505, por exemplo, alcançou R$ 339 milhões em 60 meses. Outros contratos variaram entre serviços de manutenção, redes, consultoria e sistemas de saúde, somando centenas de milhões de reais.

d – Falhas de Controle Interno

Falta de relatórios consistentes, monitoramento deficiente e dificuldade de acesso a documentos solicitados pelo TCE-PR.

Impunidade

Não deu em nada. Mais uma vez o processo acabou saindo barato para quem no período investigado pelos auditores chegou a ter repasses da prefeitura que superaram R$ 680 milhões, distribuídos em mais de 20 contratos de serviços de TI (impressão, manutenção de sistemas, redes, saúde, telecentros, CRM, conectividade etc.). O Tribunal de Contas do Estado recomendou apenas “mudanças urgentes” para que a Prefeitura retomasse o controle da TI e adotasse uma política de governança efetiva.

Empoderados

Os empresários e o ICI satisfeitos com os resultados partiram para novos empreendimentos. Agora, com apoio de Alexandre Amorim, viraram “parceiros” do Serpro na prestação de serviços de tecnologia, o que poderá garantir a presença deles no governo federal sem a necessidade de disputarem licitações. Enquanto isso, aguardam pelo desfecho da complicada privatização da estatal Celepar no Paraná, quando esperam herdar serviços do Estado.

O presidente do Serpro, Alexandre Amorim, esteve no último dia 9 de setembro participando de reunião com a diretoria da estatal paranaense. Foi prospectar cenários que possam envolver o Serpro em novas parcerias nos serviços prestados no setor público paranaense. O Serpro inclusive já tem um contrato de parceria com o ICI para a implantação do novo sistema da prefeitura curitibana exigido pela Reforma Tributária.

O ICI tem sido “parceira” do governador Ratinho Júnior no projeto de privatização da Celepar, quando esperam repetir a ideia de controle total dos contratos hoje sob a esfera da TI pública, nos mesmos moldes do que já faz com a Prefeitura de Curutiba. Esse projeto já mira as eleições para a Presidência da República no ano que vem.

Com a eventual desistência do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, o segundo nome mais cotado pelo Centrão para enfrentar a reeleição do presidente Lula é o do governador do Paraná. Isso já ficou claro em declarações do presidente do PSD, Gilberto Kassab, partido que através do prefeito de Curitiba, Rafael Greca, foi o responsável pelo suporte político junto ao PT de São Paulo para a nomeação de Alexandre Amorim à presidência do Serpro. O ICI, portanto, tem uma expectativa política de ultrapassar as fronteiras do Paraná e controlar futuramente os contratos de TI federais.

A articulação política que levou Amorim a assumir a presidência do Serpro, contou com o apoio do PT paulista, liderado pelo ministro Alexandre Padilha. Que de quebra ainda conseguiu emplacar alguns membros da sua equipe na estatal. Entre eles, o diretor André Agatte, da Diretoria de Negócios, Governos e Mercados.

Agora fica a seguinte pergunta para o governo responder – depois que Kassab decidiu passar para a oposição e leva o Centrão a não apoiar a reeleição do presidente Lula: o PT paulista vai insistir mantendo Alexandre Amorim na presidência do Serpro, turbinando contratos do Instituto das Cidades Inteligentes no governo federal e no Distrito Federal, que servirão para fazer caixa de campanha à candidatura adversária de Lula?

Até quando?