A pane da Amazon e os riscos da dependência de serviços de nuvem das big techs

Por Cleórbete Santos*

Uma falha recente na Amazon Web Services (AWS), a maior provedora de serviços em nuvem do mundo, resultou na instabilidade de serviços globais críticos, incluindo Zoom, Fortnite, iFood e Mercado Pago. O incidente, rapidamente confirmado pela Amazon, não foi resultado de um ataque hacker, mas de uma falha técnica interna. Foi um problema no serviço de DNS, que interpreta os endereços de sites informados pelos usuários e os redireciona para os respectivos destinos. Esse episódio expôs os riscos da dependência de serviços de nuvem fornecidos pelas big techs. 

A computação em nuvem (cloud computing) revolucionou a tecnologia ao prometer eficiência, escalabilidade e o fim da necessidade de gerenciamento de hardware complexo. Empresas de todos os tamanhos migraram suas operações para gigantes como AWS, Google Cloud e Microsoft Azure, abraçando essas vantagens. Contudo, essa conveniência resulta na perda de controle e a aceitação de uma dependência estrutural. A maior parte do que chamamos de “internet” funciona nesses poucos serviços, tornando o ecossistema digital vulnerável a pontos únicos de falha. 

A interrupção no serviço de DNS da Amazon, mesmo sendo pontual e localizada, gerou um efeito dominó, com vários serviços sendo afetados em sequência, demonstrando que, na internet moderna, uma “peça” solta pode afetar drasticamente o restante da estrutura. Como a maioria da infraestrutura tecnológica utilizada por organizações do mundo inteiro está nas mãos de poucas big techs, como Amazon, Google e Microsoft, qualquer defeito nos serviços prestados por essas empresas afeta o mundo em larga escala. 

E o caso da AWS não é um fato isolado. Recentemente, o software CrowdStrike, após uma atualização errada, causou uma pane global em sistemas Windows e na plataforma de nuvem Azure. A falha paralisou operações críticas em diversos setores, como companhias aéreas, hospitais e bancos, revelando a profunda dependência das organizações quanto ao uso da Microsoft para serviços essenciais. 

Da mesma forma, o Google Cloud Platform (GCP) sofreu interrupções relevantes. Uma dessas falhas afetou serviços populares como Spotify, Discord e Snapchat. Embora o problema tenha sido resolvido em poucas horas, esse evento demonstrou como erros de configuração na infraestrutura da Google podem rapidamente indisponibilizar aplicativos usados por milhões de pessoas de várias partes do planeta, sinalizando como é vulnerável a centralização de serviços em apenas um provedor de nuvem. 

No caso dessas interrupções, os clientes desses serviços de nuvem ficam sem capacidade de ação, ou seja, tornam-se reféns do tempo de resposta das big techs para restaurar suas operações. Para evitar esses riscos, as organizações devem investir em estratégias como “multicloud”, para não depender de um único provedor e “multirregião”, para distribuir cópias de seus serviços e dados em nuvens localizadas em diferentes regiões do mundo. Essa redundância permite que, em caso de falha de um provedor ou região, os serviços continuem em funcionamento.

*Cleórbete Santos, professor de Computação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Alphaville. Perito Digital e membro consultor da OAB/SP.