A importância dos conselhos na era da proteção de dados e IA

Por Martha Leal*

Durante décadas, os conselhos de administração e consultivos foram dominados por juristas e financistas. A pauta girava em torno de balanços, risco e compliance. Ocorre que o cenário mudou e a inteligência artificial, a privacidade e a pressão regulatória transformaram o papel dos conselhos, exigindo hoje um novo tipo de representatividade técnica e ética.

Falar em governança sem falar de dados é o mesmo que navegar sem bússola. O avanço da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a iminente aprovação do Marco Regulatório da Inteligência Artificial (PL 2338/2023) inauguram uma nova etapa da responsabilidade corporativa.

Empresas serão provocadas a demonstrar governança estruturada sobre o uso ético, seguro e transparente da IA, que passa a configurar um elemento de accountability regulatório e reputacional.

O uso de dados e algoritmos passou a integrar o centro da estratégia empresarial, pois inovar sem uma estrutura sólida de governança digital representa vulnerabilidade a riscos regulatórios, crises de imagem, litígios e perda de valor concorrencial.

Nesse cenário, conselheiros especializados em inovação, IA e proteção de dados ganham espaço nas empresas que desejam antecipar exigências regulatórias e fortalecer a confiança no mercado. São profissionais capazes de conectar tecnologia, ética, negócio e exigências regulatórias, traduzindo dilemas técnicos em decisões de longo prazo.

Segundo o EY Board Matters (2025), o número de conselhos com comitês de IA e digitalização triplicou desde 2022. Nos Estados Unidos, a ISS Governance aponta que um terço das grandes empresas já reconhece formalmente a supervisão de IA em nível de conselho.

No Brasil, esse movimento deve ser acelerado em função das exigências na adoção de mecanismos de governança algorítmica, exigindo que empresas comprovem quem supervisiona as decisões automatizadas e como os riscos são mitigados. A governança passa a ser um ativo de confiança.

A inclusão de conselheiros nesse setor representa muito mais do que modernização: é uma estratégia de proteção de valor e credibilidade. Empresas que se estruturarem desde já poderão comprovar diligência e boa-fé regulatória, fatores que tendem a ganhar peso em investigações, auditorias e em processos administrativos e judiciais.

Em um cenário em que confiança é moeda corporativa, governança digital tornou-se diferencial competitivo.

O novo perfil de conselheiro é aquele que enxerga a IA não como ferramenta, mas como matéria-prima de decisões corporativas, identificando oportunidades, riscos e o impacto jurídico das automações e, sobretudo, reconhecendo o momento de desacelerar a inovação para preservar a sua longevidade. Em suma, é aquele profissional que sabe equilibrar inovação e responsabilidade.

Por fim, a proximidade da regulação nacional de IA e o amadurecimento da LGPD não deixam dúvidas de que implementar e demonstrar governança serão requisitos centrais de confiança. E, nesse raciocínio, empresas que formarem conselhos diversos, com representatividade técnica e visão ética, estarão à frente, não apenas no cumprimento de normas, mas na construção de um mercado mais transparente e sustentável.

*Martha Leal, Advogada, vice-presidente do Instituto Nacional de Proteção de Dados – INPD, especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, mestre em Direito e Negócios Internacionais, certificada como CDPO pela Maastricht University