Por Jeovani Salomão* – Aqueles que me conhecem pessoalmente, sabem que sou pai de cinco filhos. Sou testemunha viva que eles já nasceram digitais. Absorvem as tecnologias novas, com suas interfaces e peculiaridades, na mesma velocidade que nós, de uma geração, digamos, anterior (risos), aprendemos a jogar bolinha de gude, soltar pipa e a brincar de boneca. É natural para eles navegar nas mais diferentes redes sociais, jogar em inúmeras plataformas, utilizar mais de um aplicativo de mensageria, manter seus documentos na nuvem, ler nas telinhas e utilizar o celular como principal dispositivo.
Inventaram um linguajar novo, com abreviações e novas expressões, que agilizam a comunicação e quem sabe, permite que eles falem em um dialeto que nós não sejamos capazes de compreender. Felizmente, para eles, adaptam-se mais facilmente ao momento atual. O confinamento físico não implica, de nenhuma maneira, confinamento intelectual, de relacionamento, de diversão. Netflix, Amazon Prime, Spotfy, “lives”, além das redes sociais e dos jogos, já faziam parte do mundo deles.
Aprender uma nova plataforma para fins educacionais, para esses meninos e adolescentes, está longe de significar um desafio. Mais fácil ver os filhos ensinando aos pais as funcionalidades das dezenas de diferentes ferramentas de reuniões virtuais que estão sendo utilizadas no trabalho.
A interação com os amigos continua, embora já se note que a saudade também os afete. Não como a nossa, que sempre construímos a base de nossas relações olhando nos olhos, compartilhando um abraço e fazendo brindes.
Mesmo antes da pandemia, no entanto, eu já observava um comportamento curioso. Nas reuniões familiares, ou mesmo no convívio diário, enquanto nós, adultos, focávamos nas conversas presenciais, eles, mais novos, estavam ligados em conversas virtuais. Eventualmente, isso poderia ser uma resposta para a diferença de gerações e interesses. Pelo menos no pensamento deles, devemos ser muito mais chatos e obtusos do que parecemos para nós mesmos. Ocorre que a atitude não se apresentava apenas conosco. Quando estavam com amigos, namorados, colegas de escola e em outras atividades de forma presencial, continuavam com as conversas e distrações virtuais.
Nesse contexto, resolvi nominar essa turma de: “A Geração que não está”. Não estão de corpo e alma. Saltam de uma conversa para outra, de uma interação para outra, de uma rede para outra em segundos. A consequência é que raramente absorvem a integralidade de um momento específico de convívio.
Oportuno refletir sobre que tipo de sociedade esses indivíduos vão constituir. Para minha grata surpresa, eu que tinha apenas observado o fenômeno, e não tinha base teórica para o avaliar, encontrei respostas nas aulas de filosofia/sociologia da minha filha do meio, a Luíza, que me introduziu ao sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman.
O pensador criou diversos termos utilizando a palavra “líquido(a)”, sempre com intuito de denotar fluidez, mudança constante de forma, transitoriedade, dinâmica de movimento. Assim, a “Sociedade Líquida” é caracterizada por relações instáveis e mais superficiais, pensamentos de curto prazo, realizações mais imediatas. Não é estranho, percebendo a realidade por esse ângulo, explicar os sucessos quase imediatos de blogueiros, influencers e celebridades mundiais sem qualquer conteúdo.
O impacto sobre a construção de relacionamentos é gigante. Nas palavras de Bauman: “Amor líquido é um amor “até segundo aviso”, o amor a partir do padrão dos bens de consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação e os substitua por outros que prometem ainda mais satisfação.”
A correlação entre consumo e relacionamentos é intrigante. Lembrando da minha infância, passei vários períodos das férias em uma pequena oficina de eletrodomésticos do meu pai, que por coincidência nasceu em 1925, mesmo ano de Bauman. Naquela época, consertava ferros de passar, chuveiros, luzes de Natal e enceradeiras (tudo bem, se você é da geração digital nem sabe o que é isso!). Era uma época em que se restauravam as coisas. Hoje, se estragou joga fora e compra outro. Da mesma forma, houve transformação nos relacionamentos. Ter um envolvimento de longo prazo é complexo, caro e difícil. Você precisa se expor, ceder, convergir, pensar no outro, aceitar os defeitos. Na internet, você simplesmente se desconecta, passa para o próximo, cancela.
Mas a vida com apenas convivências casuais, amizades rasas e amores superficiais, parece muito vazia. Saber que você tem alguém com quem pode contar em qualquer ocasião, um companheiro de batalhas, um irmão de sangue, um companheiro para vida, faz tudo ter mais sentido. Principalmente, quando você representa isso para alguém. A existência se torna mais plena.
A questão central passa a ser como nós, pais, avós, tios, professores, conselheiros, líderes dessa nova geração, podemos intervir positivamente no futuro desses jovens. O primeiro passo é aceitar que a “Modernidade Líquida” já se encontra em pleno curso. Não regressaremos para uma sociedade sólida – termo também utilizado por Bauman para representar tempos anteriores ao nosso.
Em seguida, faz-se necessário encontrar convergências, interesses comuns, viver um pouco do mundo deles, sem esquecer quem somos. Criar autoridade, para ser respeitado e ouvido, mas ter humildade e flexibilidade para aprender com eles. Cada um no seu papel, criando gradativamente mais proximidade, intimidade e confiança. Precisamos ser para eles um ponto de referência, um farol, para os que navegam nessas águas fluidas.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.