Por Lucas Daemon Bordieri – No dia 05 de agosto de 2021, a Câmara dos Deputados rejeitou as emendas propostas pelo Senado no texto final da Medida Provisória 1.040 (Projeto de Lei de Conversão nº 15/2021). Como consequência, em 26 de agosto, o Presidente da República, sancionou com vetos o texto aprovado pelo Legislativo, dando origem à Lei 14.195/21, publicada no diário oficial em 27 de agosto de 2021.
O texto da Lei tem por finalidade promover alterações que facilitam a atividade econômica das empresas, buscando desburocratização e melhoria do ambiente negócios do Brasil, a fim de que o país se apresente mais bem posicionado no ranking internacional Doing Business. Como esse indicativo põe em alta conta a facilidade da abertura de empresas e suas estruturas jurídicas em um país, grandes alterações foram promovidas, especialmente nos âmbitos do Registro de Empresas e Societário.
Para a facilitação da abertura de empresas, é introduzida a emissão de alvará e licenças de modo automático, sem necessidade de análise humana, quando o risco de atividade for considerado médio. No registro, também não poderão ser exigidos dados e informações que constem na base de dados do Governo Federal, facilitando a abertura por acesso mais rápido a informações. Além disso, as empresas passam a poder utilizar o CNPJ como nome empresarial, junto à identificação de seu tipo societário ou jurídico (Ltda, S.A., etc).
Nesta linha, as mudanças mais significativas de fato ficaram por conta do Direito Societário, em especial na Lei da S.A. (LSA – Lei 6.404/76), conforme a seguir:
- É instituído o voto plural nas Sociedades Anônimas (art. 110-A, LSA), medida que visa o estímulo de processos de abertura de capital no país (as chamadas Initial Public Offers – IPOs), abrindo exceção à regra do one share, one vote (uma ação, um voto), até então vigente no Direito Brasileiro; agora, poderão ser criadas classes de ações detentoras de mais de um voto por unidade, limitando-se a 10 (dez) votos por ação, de modo que mais capital poderá ser negociado na bolsa de valores sem que se perca o poder administrativo/político da Companhia por determinado grupo de acionistas;
- Para a proteção dos acionistas minoritários, atribui-se agora privativamente à Assembleia-Geral as deliberações sobre alienação de ativos ou contribuição para outra empresa, quando a operação corresponder a 50% (cinquenta por cento) dos ativos totais da empresa (art. 122, inciso X, LSA). Além disso, o prazo de antecedência de convocação da primeira Assembleia passa a ser de 21 (vinte e um) dias, ao contrário dos 15 (quinze), impostos anteriormente (art. 124, §1º, inciso II, LSA);
- A Lei de S/A também passará a permitir que a Sociedade por Ações possua administrador residente no exterior, observadas as condições do novo §2º do art. 146 da referida norma;
- Fica vedada a acumulação do cargo de presidente do conselho de administração e de diretor-presidente ou principal executivo da companhia (art. 138,§3º, LSA);
Outro veto e, talvez o mais significativo e exigido por parte da classe jurídica1, foi aquele que não permitiu a extinção das sociedades simples, mudança que implicaria no reconhecimento de que todas as sociedades – inclusive as constituídas por profissionais liberais – deveriam ser, obrigatoriamente, empresárias.
Como justificativa para o veto ao fim das sociedades simples, a presidência aponta que seriam promovidas excessivas mudanças ao regime societário. De fato, isso aumentaria significativamente o custo tributário e consultivo a que os sócios das sociedades simples estão acostumados: com a obrigatoriedade de serem empresários, o temido “custo Brasil” aumentaria, na medida em que se faria necessária maior contratação de advogados e contadores, a fim de fornecer suporte à atividade empresária que passaria a ser exercida à força.
Certamente seria medida contrária ao próprio espírito liberal das últimas medidas do Governo Federal, que, ao buscar mais liberdade e menos burocracia, terminaria por obter o exato oposto. Nesse sentido, o veto se fez coerente à natureza original da Medida Provisória 1.040: menos custo e mais liberdade de escolha.
Referido veto ocasionou também um impacto no que refere-se às empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELI)que, desde seu surgimento no Código Civil, não obtiveram grande aderência na prática societária.
Segundo o artigo 41 da agora Lei 14.195/21, as EIRELIs existentes quando da vigência da lei serão transformadas automaticamente em sociedades limitadas unipessoais, independentemente de alteração em ato constitutivo. Porém, diante do veto presidencial à alínea “e” do inciso XXIX do artigo 57 da referida Lei, em razão da manutenção das Sociedades Simples em nosso ordenamento, acabou por não se revogar expressamente o artigo 980-A do Código Civil, responsável por regular a EIRELI haja vista que sua revogação constava na mesma alínea citada e, por uma vedação constitucional, ocorreu à impossibilidade de que o Presidente vetasse apenas o trecho relativo aos artigos que tratavam da Sociedade Simples.
Considerando este cenário, ainda que tenha ocorrido o veto de referida alínea e o artigo que regulamenta as EIRELIs permaneça válido no Código Civil, pelo teor do artigo 2º, §1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e, dada a redação do artigo 41 da nova Lei, mencionado acima, parece razoável entender que a EIRELI foi revogada tacitamente do ordenamento, o que certamente ainda será objeto de debate doutrinário e jurisprudencial.
Ademais, merece destaque, ainda, o intencionando reforço ao ineficaz sistema de busca de ativos atual, sendo conferida autorização ao Poder Executivo para instituir o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (SIRA) que, sob governança da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, visará facilitar a identificação e localização de bens de devedores, bem como constrição e alienação de ativos, em atuação integrada com os demais sistemas, em especial aqueles já utilizados pelo Poder Judiciário.
Destacam-se, ainda, alterações ao Código de Processo Civil (CPC/15).
Para as citações, o legislador aproveitou a oportunidade para incentivar o procedimento da citação eletrônica, alterando significativamente o artigo 246 do Código: agora, as empresas serão obrigadas a manter cadastro no sistema de autos eletrônicos, a fim de que as citações ocorram preferencialmente por essa via. Uma vez recebida, a citação deverá ser confirmada em até 3 (três) dias úteis contados do recebimento. Diante da ausência de confirmação, o réu será citado por outros meios, e terá praticado ato atentatório à justiça, sendo obrigado ao pagamento de multa de 5% (cinco por cento) sobre valor da causa, salvo se justificar nos autos à primeira oportunidade que tiver de neles se manifestar (artigo 246, §§1º-B e 1º-C, CPC). Para esse caso, o prazo para a contestação passa a ser o do quinto dia útil seguinte à confirmação do recebimento da citação por meio eletrônico (artigo 231, IX, CPC).
O pedido de exibição de documento ou coisa também sofreu alteração: os incisos I, II e III, do artigo 397, passam a permitir que os pedidos se refiram à categoria de documentos ou coisas, não sendo mais necessária a explicação detalhada de cada documento a que a parte pretende ter acesso, mas que se encontra na posse da outra parte.
Finalmente, alterou-se o artigo 921, no intuito de detalhar melhor a ocorrência da prescrição intercorrente no processo de execução, que terá como termo inicial a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, podendo ser suspensa a execução somente por uma vez pelo prazo máximo de um ano (artigo 921, §4º).
Em suma, apesar das discussões acerca da inconstitucionalidade no processo legislativo em razão da inserção de matérias não relacionadas à proposta original da Medida Provisória2, com a nova lei em vigor, a perspectiva é de maior prosperidade para a classe empresária. Com esses estímulos legais, intenciona-se maior aquecimento da economia privada no período pós-pandêmico, possibilitando aumento nos índices de emprego e de produção de riquezas nacionais através da abertura de novos negócios e da facilitação de seu funcionamento.
*Lucas Daemon Bordieri, advogado especialista na área contratual, direito empresarial, consultivo e contencioso da Lira Advogados.
1 Cite-se o recente artigo dos professores Rodrigo Xavier Leonardo (UFPR) e Marcelo Vieira Von Adamek (USP): https://www.conjur.com.br/2021-ago-25/direito-comparado-pl-1521-produz-empresarios-forca
2 São os denominados “jabutis”, tão comuns na prática legislativa quanto inconstitucionais no plano jurídico, por força da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5127 (ADI 5127).