Privatizações do Serpro, Dataprev e Telebras: qual o modelo ideal?

É só uma avaliação minha, não procurei o governo para explicar nada. Até porque, este governo não parece disposto a explicar nada. Ainda. Por hora o interesse é apenas ditar para “jornalista” aquilo que deseja que seja publicado.

Mas a primeira impressão que tenho desse anúncio da privatização é de que o governo quer sair vendendo para fazer superávit primário nas contas públicas, só que ainda não tem a menor noção do que deseja realmente e as implicações que virão com a decisão que tomar.

Explico.

Primeiro, vender uma estatal é possível, mas precisa do aval do Congresso Nacional. Sobre esse aspecto, o Supremo Tribunal Federal deixou claro ao aprovar a venda de uma subsidiária da Petrobras, de que não haveria óbices neste caso, mas impôs condicionantes.

Os ministros do STF deixaram claro que a venda de “empresa-mãe”, estatal criada por lei ou decreto-lei, que teve aprovação do Congresso, no passado, precisa deste mesmo aval para ser vendida. Daí será preciso o governo conseguir, primeiro, maioria no Legislativo para obter a autorização, tarefa que não é fácil, não se tem do dia para a noite.

Em segundo lugar qual seria o modelo de privatização?

Avalio que o governo hoje pode estar trabalhando com um dilema: vende o controle e se arrisca com o “mercado” ou continua com parte do controle da empresa, porém conta com um parceiro privado na Administração?

Seja qual for o caso em tela, vamos tentar traçar alguns cenários:

I – Venda total

Isso traria o benefício do capital privado vir em volume muito maior, se este tiver algumas garantias financeiras de retorno do investimento. Como, por exemplo, se o governo garantir que o comprador ganhe a estatal de “porteira fechada”. Que significaria manter todos os contratos que a empresa estatal detém hoje no governo, de forma exclusiva, sem ter de dividir com nenhum concorrente.

Da mesma forma a empresa tem de vir “saneada”, sem a “gordura funcional”. Daí o interesse em demitir ou forçar pedidos de demissão por meio de programas de incentivos à demissão voluntária. E desde que o passivo trabalhista – motivado por ações judiciais – fique com o Tesouro Nacional.

Riscos

Há uma série de fatores que podem pesar negativamente numa eventual venda do controle total de uma estatal. Uma série de riscos a serem considerados e enfrentados nesse processo. Enumero os mais óbvios:

a – Dependência tecnológica: Ao vender a empresa estatal, o governo sabe que ficará refém do mercado privado e pagará caro toda vez pela atualização tecnológica dos serviços que terá de prestar ao cidadão. E pelo preço que for estipulado pelo comprador da empresa pública. Esse problema o governo já enfrenta nas terceirizações, mas parece que nunca aprendeu ou assimilou direito os malefícios de se ter um único fornecedor, que por sua natureza só visa o lucro.

b – Segurança dos bancos de dados: Que garantias o governo terá que seus bancos de dados não serão violados? Qual a probabilidade de se ter o Imposto de Renda dos contribuintes “vazado” na Internet, seja por ação de criminosos virtuais ou mesmo por interesses empresariais e políticos? Que grau de confiabilidade o governo poderá atestar sobre a inviolabilidade dos dados, se já não é ele quem controla diretamente os bancos de dados?

c – Revisão normativa das compras governamentais: Hoje com a Lei das Estatais (nº13.303/2016), lançada no apagar das luzes do Governo Dilma Rousseff, o governo pode de certa forma “burlar” a Lei 8.666/93 (conhecida por Lei das Licitações), que versa sobre as compras governamentais. As estatais ganharam um modelo próprio de contratações sob alguns argumentos, entre eles, o da “Segurança Nacional”. Também se livraram do pesado “controle” exercido pelos organismos que fiscalizam as compras governamentais (Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União, entre outros).

Com a venda total do controle de uma empresa pública, a meu ver, o governo automaticamente inviabiliza a Lei 13.303 e passa a tornar-se novamente dependente das regras impostas pelo Lei 8.666 no tocante ao processo de compras. Justamente aquela que sempre reclamou que “engessava” outras áreas da Administração Pública Federal e interferiam na agilidade da estatal de responder à concorrência com o mercado privado.

Convém lembrar que hoje o Serpro, a Dataprev e a Telebras podem ser contratadas pelo governo por “dispensa de licitação”. Afinal de contas são empresas controladas pelo governo que vendem serviços ao governo. Indago se continuarão com esse modelo de contratação, se o controlador da empresa for do mercado privado?

Portanto, não basta apenas vender a estatal que o governo se livrará de um “paquiderme” ou do atraso provocado pelo demorado processo de compras públicas imposto pela legislação em vigor. Se não mudar a legislação continuará se arrastando no mesmo solo arenoso.

Por experiência vivida nas privatizações do setor de telefonia, ficou patente que as teles só colocaram dinheiro na compra de pedaços do Sistema Telebras, depois que tiveram garantias de uma Lei Geral das Telecomunicações ( que já está velha) e a presença de um interlocutor direto: a Anatel. Sem regras claras, babau.

Pior: como o governo irá garantir ao comprador do controle da estatal, que ele será eternamente “exclusivo” na prestação do serviço ao governo, se a Lei 8.666 impõe prazo máximo de 5 anos para renovações automáticas de contratos governamentais, até que haja nova licitação para escolha de novo fornecedor do bem ou do serviço? Não me parece clara a vantagem financeira, o retorno do investimento que fez ao comprar uma estatal, uma empresa privada trabalhar com esse cenário. As teles, por exemplo, ganharam prazo de 20 anos para renovar a concessão ( já renovados, na telefonia fixa).

II – Venda parcial do controle

Esse, a meu ver, seria o cenário ideal, mas não sei se o governo comunga da mesma ideia, dado o viés ideológico com que trouxe a público essa discussão. Mas a venda de parte do controle colocaria dinheiro em caixa, talvez não tanto quanto o Ministério da Economia desejaria, se o objetivo for apenas arrancar o máximo de investimento privado para fazer superávit nas contas públicas.

Não vou entrar no mérito de que isso vai gerar emprego e o dinheiro vai ser canalizado para outras atividades como saúde e Educação porque essa piada, proferida pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia e o ministro Paulo Guedes, eu não caio. A experiência com as teles mostra que não passa de discurso fácil para justificar a marreta contábil.

Porém, a venda de parte do controle, mantendo entretanto o comando da estatal, que passaria para a condição de um empresa de capital misto, talvez até com ações no mercado, evitaria ao governo o desgaste de ter de enfrentar a animosidade do Congresso Nacional, com quem mantém sempre uma relação de “amor e ódio”.

Nesse cenário também há uma possibilidade de manter a Lei das Estatais em vigor e evitar o confronto direto com o TCU e a CGU nos processos internos de compras de bens e serviços. Porém, não está muito claro para mim – e isso eu prometo investigar junto aos órgãos de controle – se a venda parcial de uma estatal garante ao comprador privado uma exclusividade no fornecimento de bens e serviços ao governo federal.

Fusão

Neste cenário, não está descartada uma fusão do Serpro com a Dataprev, que o governo gosta de usar o processo como sendo uma “sinergia”. A meu ver, faria mais sentido vender uma única estatal forte em todas as áreas de TI, se a ideia for se desfazer das estatais, do que colocar a venda duas empresas. Também neste caso, ter o controle e um parceiro privado poderia ser uma saída melhor para minimizar os riscos que apontei acima.

Mas na atual conjuntura o quadro anda tão nebuloso que não dá para cravar que isso irá ocorrer.

*De qualquer modo os próximos meses serão bastante interessantes de acompanhar sobre vários aspectos. No que eu puder contribuir para informar prometo que farei. Adoraria ter meia horinha de conversa com alguém do governo sobre esse assunto. Mas não esperem de mim a iniciativa de procurá-los, já estou velho demais para levar porta na cara ou chá de cadeira. Vida que segue.