CNMP defende reforma penal no combate a crimes digitais contra crianças

O membro auxiliar do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Octávio Paulo Neto, defendeu nesta quarta-feira (11) uma ampla reforma penal e processual penal para enfrentar a nova geração de crimes cibernéticos contra crianças e adolescentes. Em audiência pública na Câmara dos Deputados, ele fez um alerta sobre a necessidade de o Estado brasileiro reagir à velocidade e à sofisticação da criminalidade digital, que tem explorado lacunas legais e operacionais.

“As redes digitais nasceram para aproximar pessoas, mas se tornaram terrenos férteis para delitos graves. Entre os mais perversos estão aqueles que vitimam crianças e adolescentes”, afirmou o procurador, que também coordena o GAECO do Ministério Público da Paraíba.

Paulo Neto citou o caso de Ítalo Santos, investigado pelo GAECO/PB, como exemplo da lentidão e da fragmentação institucional no enfrentamento à exploração sexual infantil online. “Aquele episódio revelou o retrato cru de um sistema ainda despreparado para lidar com a crueldade e a sofisticação das novas formas de exploração digital. Enquanto o Estado hesita, a vitimização se repete”, disse.

Segundo o membro do CNMP, o ordenamento jurídico brasileiro permanece preso a um paradigma analógico, baseado em crimes físicos e territoriais, e incapaz de responder à volatilidade e transnacionalidade do ciberespaço. Ele criticou a falta de integração entre órgãos de persecução criminal, o declínio de investigações por conflito de competência entre Justiça Federal e Estadual e a estrutura insuficiente das unidades especializadas.

“Há muito ego e pouca cooperação. Muitos buscam notabilização; poucos buscam resultados. Enquanto não entendermos que todos estão no mesmo barco, não chegaremos a lugar nenhum”, advertiu.

Propostas de atualização legal

Paulo Neto defendeu revisões urgentes no Código Penal, no Código de Processo Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com foco em crimes digitais de alta gravidade. Entre as medidas sugeridas:

  • Tipificação clara de condutas como grooming (aliciamento virtual), sexoextorsão e deepfake pornográfico;
  • Aumento das penas para crimes de difusão e armazenamento de material de abuso sexual infantil — hoje previstas entre 3 e 6 anos, consideradas desproporcionais;
  • Marco legal para requisições emergenciais de dados por autoridades em casos de risco iminente à integridade de menores, inspirado no modelo internacional de Emergency Request Disclosure;
  • Padronização de prazos para guarda de registros e dever de comunicação imediata pelas plataformas de conteúdos envolvendo exploração sexual infantil;
  • Revisão do artigo 158-A do CPP, que trata da cadeia de custódia, para incluir as especificidades das evidências digitais.

“A identificação dos autores é cada vez mais difícil. O uso de VPNs, redes anônimas e criptografia exige mecanismos céleres de preservação de provas. Um clique pode apagar tudo”, afirmou.

Cooperação internacional e Protocolo de Budapeste

O procurador também defendeu a implementação integral do Segundo Protocolo Adicional da Convenção de Budapeste, que permite cooperação direta entre autoridades brasileiras e provedores estrangeiros. A medida, segundo ele, traria agilidade às investigações transnacionais de pedofilia e tráfico de conteúdo abusivo.

Paulo Neto reforçou que o enfrentamento à criminalidade digital não pode se limitar à repressão, destacando a educação como pilar essencial. Ele propôs incluir na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) programas obrigatórios de conscientização e cidadania digital, com palestras sobre segurança online e uso responsável das redes.

“A melhor política criminal ainda é a prevenção. É na escola que se constrói a cultura da autoproteção e da responsabilidade digital”, declarou.

O representante do CNMP participou de audiência pública sobre o tema: “Reforma da Legislação Penal, Processual Penal e repressão aos crimes cibernéticos contra crianças e adolescentes”, promovida pelo Grupo de Trabalho da Câmara destinado a “Estudar e Propor soluções Legislativas acerca da Proteção de Crianças e Adolescentes em Ambiente Digital”.