MPF quer provas de crimes digitais colhidas no exterior

O procurador da República George Neves Looder, membro do GACCTI (Grupo de Atuação Especial no Combate a Crimes Cibernéticos e aos Crimes praticados mediante o uso de Tecnologias de Informação), pediu ao Congresso que avance em medidas processuais para destravar investigações de abusos sexuais infantis e outros crimes online.

Em audiência na Câmara dos Deputados, ele defendeu duas mudanças centrais: (1) criar previsão legal para requisições emergenciais de dados diretamente a provedores em casos de risco iminente à vida ou à integridade; (2) permitir o aproveitamento probatório de investigações e evidências digitais produzidas por autoridades estrangeiras, quando idôneas e obtidas conforme as leis do país de origem.

Looder explicou que, ao contrário dos EUA, onde a polícia pode acionar plataformas em situações de emergência (perigo atual), no Brasil não há base legal explícita. Na prática, muitas empresas seguem normas americanas e acabam atendendo — mas sem cobertura normativa brasileira, o que abre brecha para nulidades processuais.

Ele propõe que a lei autorize delegado e MP a requisitar dados em caráter emergencial, com controle judicial a posteriori para validar a urgência e a proporcionalidade. A medida daria lastro para ações rápidas — por exemplo, localizar uma vítima em tempo real ao flagrar, em plataformas como Discord, um estupro de vulnerável em andamento.

Budapeste

O procurador também defendeu que a legislação incorpore, de forma ampla, o conceito de dados de cadastro conforme a Convenção de Budapeste, incluindo IP de criação e de acesso. Tentativas de restringir esse escopo, advertiu, prejudicam o cruzamento de informações e enfraquecem investigações de crimes digitais – em especial os de abuso sexual infantil.

Segundo Looder, é comum que França, Alemanha e outros países concluam investigações, identifiquem alvos no Brasil e remetam dossiês (conforme o art. 26 da Convenção de Budapeste, a “informação espontânea”). Hoje, essa documentação chega, mas não pode ser tratada diretamente como prova no processo penal brasileiro.

Ele propõe uma via legal para aproveitar essas evidências digitais – desde que idôneas e coletadas sob a lei local, com chancela posterior do Judiciário brasileiro. O argumento é pragmático: provas digitais são voláteis e muitas vezes irrepetíveis; perder esse material significa frustrar condenações e favorecer a impunidade.

Prioridades

Looder ressaltou que, em crimes como estupro de vulnerável e abuso sexual infantil, a meta é interromper o crime em curso, e não apenas punir depois. Por isso, as medidas cautelares rápidas — inclusive as requisições emergenciais a plataformas – são, para ele, prioridade processual. O que pode entrar na lei, segundo recomendação do procurador.

  • Requisição emergencial de dados por delegado/MP, com homologação judicial posterior.
  • Definição ampliada de “dados de cadastro” (incluindo IPs) conforme Budapeste.
  • Regra de admissibilidade para provas digitais estrangeiras idôneas, produzidas por autoridades de outro país e remetidas ao Brasil, com validação judicial.

“Sem previsão legal clara, arriscamos ver operações cruciais ruírem por nulidade. Em ambiente digital, a prova some; o tempo do processo precisa acompanhar o tempo do crime”, concluiu o procurador.

O procurador da República George Neves Looder participou de audiência pública sobre o tema: “Reforma da Legislação Penal, Processual Penal e repressão aos crimes cibernéticos contra crianças e adolescentes”, promovida pelo Grupo de Trabalho da Câmara destinado a “Estudar e Propor soluções Legislativas acerca da Proteção de Crianças e Adolescentes em Ambiente Digital”.