Pesquisadora diz que Redata não traz soberania

Em um discurso enfático sobre o papel da tecnologia na soberania nacional, a pesquisadora Isabela Rocha, presidente do Fórum para Tecnologia Estratégica dos Brics+, defendeu hoje (08) na Câmara dos Deputados, que o Brasil precisa romper com a dependência estrutural das grandes corporações estrangeiras que dominam o ambiente digital e investir na formação científica e em infraestrutura própria. Criticou a Medida Provisória do Redata (n° 1318, de 2025), que concede incentivos fiscais a empresas estrangeiras para instalação de data centers no Brasil. “Estamos abrindo mão da nossa energia e de nossas capacidades para beneficiar indústrias americanas. Isso não é soberania, é subordinação”, disparou.

O tema, segundo ela, deve ser tratado não apenas sob a ótica industrial, mas também como uma questão cognitiva e cultural, capaz de definir o futuro do país na era da inteligência artificial.

Prioridades

De acordo com estudo citado pela pesquisadora, o Brasil gastou R$ 23 bilhões nos últimos dez anos em serviços e plataformas de Big Techs — R$ 10 bilhões apenas em 2024. “Com esse valor, poderíamos erguer 68 data centers de alto desempenho (tier 3) no território nacional”, afirmou.

“Com os 10 bilhões que entregamos às Big Techs em um ano, poderíamos ter investido em universidades, ciência e inovação brasileiras. A dependência tecnológica é uma opção política — e nós podemos escolher outro caminho”, afirmou.

O mesmo montante, calculou, seria suficiente para financiar bolsas de pós-graduação para todos os mestrandos e doutorandos do país ou manter uma universidade do porte da UnB por quatro anos e meio. “Investir em ciência e tecnologia nacionais é uma decisão de soberania”, disse Isabela.

Na audiência pública, a pesquisadora dividiu o conceito de soberania tecnológica em três camadas: infraestrutura física (ou “dura”), infraestrutura de software e infraestrutura cognitiva.

Na primeira, o país ainda está distante da autossuficiência. “O Brasil é um grande exportador de commodities, mas não produz sua própria base tecnológica. Nosso lítio é refinado na França, nossos satélites dependem de componentes importados e, mesmo com polos industriais robustos, como o de Manaus, não dominamos as tecnologias críticas”, afirmou.

A pesquisadora lembrou que a ausência de domínio sobre semicondutores, metais raros e componentes eletrônicos coloca o Brasil em posição vulnerável nas cadeias globais de produção.

Software

O segundo nível, segundo Isabela, é o da infraestrutura de software, dominada por empresas de fora. “Tudo o que usamos no trabalho e no lazer — de Word e Google Docs a WhatsApp, Instagram e TikTok — é estrangeiro. Nenhuma dessas plataformas é brasileira, e nenhuma está sujeita à nossa regulação”, destacou.

Ela apontou que, embora o país tenha milhões de usuários ativos, não possui controle sobre os sistemas que moldam a comunicação e o comportamento social. “Até a regulação é feita em Washington, e não em Brasília. A lei americana Cloud Act permite que dados brasileiros sejam processados e armazenados nos Estados Unidos, fora do alcance da nossa legislação”, criticou.

Domínio das telas

A terceira camada — e a mais sensível, segundo Isabela — é a dependência cognitiva. “A primeira coisa que fazemos ao acordar é abrir o WhatsApp. Passamos o dia entre planilhas em nuvem estrangeira, e à noite descansamos rolando o feed do TikTok. O resultado é que nossa cognição está mediada por plataformas estrangeiras que moldam nosso pensamento, comportamento e até nossas emoções”, observou.

Ela afirmou que essa rotina consolida uma subordinação cultural, em que a identidade e os valores brasileiros são diluídos por algoritmos e conteúdos que não refletem o contexto nacional.

BRICS

A presidente do Fórum para Tecnologia Estratégica dos Brics+, disse que o país deveria concentrar esforços em criar infraestrutura de dados própria, sob controle público e com parcerias estratégicas com nações que compartilham os mesmos desafios, como Índia, China e África do Sul, no âmbito dos BRICS.

Segundo ela, o bloco seria “a principal alternativa à agenda tecnológica imposta pelo Norte Global”. Na sua avaliação, os países emergentes têm as maiores reservas naturais, as populações mais jovens e o potencial científico necessário para construir uma nova ordem digital multipolar.

Isabela Rocha participou de audiência Pública na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação da Câmara dos Deputados, que abordou o tema:  “Soberania Tecnológica no Brasil, no Sul Global, nos países Brics”.