
No jogo de empurra das responsabilidades, pelo fato da Ceitec continuar sem perspectiva alguma de sair da condição de “estatal reativada”, após um doloroso processo de dissolução societária ocorrido no Governo Bolsonaro, surge um personagem apontado como “bolsonarista”, que estaria travando o processo de compras de equipamentos necessários à retomada das operações pela empresa. Funcionários acusam o atual Superintendente de Produto, Pesquisa e Desenvolvimento, Eric Ericson Fabris (destaque), de ter “sentado em cima” da liberação de R$ 96 milhões destinados pela Finep no ano passado, que fazem parte de um montante de R$ 220 milhões alocados para a reativação da fábrica até o fim de 2026.
O dinheiro oriundo do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), aparentemente não reembolsável, está depositado desde 2024 pela agência de fomento na conta da FAURGS – Fundação de Apoio à Universidade do Rio Grande do Sul. O total disponível foi distribuído em R$ 96,5 milhões ainda não repassado no ano passado; R$ 101,5 milhões previsto para este ano e ainda R$ 22,36 milhões a ser pago em 2026. Até agora nada chegou aos cofres da Ceitec e não há a mínima previsão de quando chegará, segundo informações dos funcionários.
Isso tem atrasado o processo de aquisição de equipamentos necessários para a reativação da fábrica para a produção de chips de carbeto de silício (SiC), além de pagar a transferência de tecnologia, o licenciamento de patentes e internalização de novos processos produtivos. O dinheiro também deveria capacitar funcionários, já que a empresa considera difícil obter novas contratações no mercado. Quem foi demitido na gestão Bolsonado dificilmente retornaria a uma empresa tão instável politicamente como a Ceitec. Com esses novos equipamentos, a estatal espera dar uma guinada tecnológica, voltando a sua produção para chips que contribuirão para o mercado privado cumprir a estratégia de realizar uma transição energética.
Doutor Fabris
Eric Fabris (no destaque) não é um burocrata qualquer, preservado após a mudança de governo. Trata-se de um professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com mestrado e doutorado. “Renomado pesquisador na área de Microeletrônica, com ampla experiência em Projeto de Circuitos Integrados Analógicos e de Sinais Mistos” – destaca o seu currículo.
Segundo ainda o perfil, o professor Fabris “coordenou uma variedade de projetos e tecnologias inovadoras, abrangendo desde o desenvolvimento de circuitos integrados para marcapassos brasileiros até plataformas de aquisição de sinais para controladores programáveis e sistemas de processamento de vazão de gás natural”. Não parece ser um típico burocrata gaúcho, que por questões ideológicas estaria empatando o projeto de reativação da companhia.
Mas os funcionários entendem que sim, porque no processo de extinção da empresa ele trabalhou ativamente na desativação da fábrica e no controle do que deveria ser mantido em manutenção até a eventual chegada de um comprador dos equipamentos.
Os funcionários não entendem como toda a equipe bolsonarista que cuidou da dissolução da empresa deixou a Ceitec após a virada de governo e o professor foi mantido. “Ele tem as costas quentes no MCTI”, disseram. Mantido como coordenador da retomada da fábrica, está sob o seu controle os recursos destinados pela Finep. Que os funcionários garantem que foram “represados na UFRGS, com o objetivo de atrasar deliberadamente o cronograma de compras dos equipamentos”.
“Ele tem o poder da caneta, se não assinar a liberação dos recursos o projeto não anda. Já não está andando; está atrasado”, destacaram os mesmos funcionários que pediram o anonimato por razões óbvias. De fato, até agora não houve nenhuma sinalização por parte da direção da Ceitec, de que essa nova fase de renovação dos seus objetivos esteja realmente a caminho.
Apoiou a extinção
Eric Fabris fez, sim, parte da direção da Ceitec durante a gestão do ministro do MCTI, o astronauta Marcos Pontes, e ao longo do Governo Bolsonaro trabalhou ativamente no processo de extinção da empresa. É fato, Fabris é um remanescente dessa época e chegou a participar de reuniões da direção da estatal com Pontes. Mas não há nenhuma comprovação que possa colocá-lo na posição de “responsável pela extinção”. Isso foi decisão de governo e sequer passou pelo MCTI. Quem quis destruir a Ceitec foi o Ministério da Economia.
Na época havia uma visão clara da necessidade de dissolução societária e a possibilidade de algum empreendedor privado se interessar pela fábrica, coisa que nunca ocorreu. A direção, como um todo, concordadava com a dissolução. Entendia que uma fábrica de semicondutores estatal não podia esperar por processos de compras e tomadas de decisões que podiam levar anos. E o modelo imposto pela Legislação de Licitações só contribuía para esses atrasos e prejuízos em seus balanços.
É uma questão controversa. Fabricantes de PCs são obrigados a esperar meses pelas demoradas licitações do governo, para que possam iniciar a produção dos equipamentos. Ninguém toma a decisão de produzir sem ter a certeza de que vencerá o certame. Está certo que não dá para comparar bananas com maçãs, mas no caso da Ceitec não foi a demora nas compras que atrapalhou a empresa.
Entretanto dá para comparar, por exemplo, a facilidade como foi o MCTI, via Finep, liberar R$ 175 milhões para ampliação da fábrica da Taurus, num processo que até passou pelas mãos de professores e renomados cientistas que compõem o Conselho Gestor do FNDCT. Não consta que alguém do ministério tenha sido contra jogar “dinheiro da Ciência” na época na ampliação de uma fábrica privada. Como ocorre agora no discurso contra a Ceitec. Não existe registro de que alguém tenha votado contra o projeto.
Desde que foi criada, a Ceitec contou com a mesma animosidade que o meio Acadêmico tem com o Tribunal de Contas da União fiscalizando os seus gastos em pesquisas e exigindo comprovação dos mesmos. Isso ocorre até hoje, procurem a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência para conferir se o blog está errado. Fora isso, dentro do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações sempre houve um grupo de funcionários que entendia que o gasto numa fábrica de chips seria melhor aplicado nas empresas de “design“. Sempre deram apoio às empresas deste setor comandadas pela Abisemi e torciam o nariz para a Ceitec.
O fato é que o projeto não anda, já está atrasado e o cronograma previsto de até o fim de 2026 o presidente Lula entregar uma fábrica funcionando, está muito longe de ocorrer. É praticamente impossível isso ocorrer. Exigem-se meses para que um fabricante entregue os equipamentos e decisões ainda não foram tomadas pela estatal, segundo informam os funcionários. Além disso, a Ceitec já não goza no exterior de tanto prestígio dos fabricantes de onde virão essas máquinas de altíssima tecnologia. Ele reclamam de fazer cotações de preços para uma fábrica que nunca compra equipamentos. Este é o triste caso da Ceitec.
*Supostamente agravado por um superintendente que não teria o menor interesse em vê-la prosperar.