O Papel da Conectividade Significativa na Inclusão Digital e na Cidadania

Por Felícia Borges* – Na atualidade, o acesso à internet transcendeu o campo do entretenimento e passou a ser um pilar da cidadania. A internet, ao interconectar o mundo, tornou-se um dos principais meios de garantir o acesso a direitos fundamentais, como educação, saúde, trabalho e participação social.

No Brasil, onde as desigualdades regionais e sociais ainda são um desafio substancial, a conectividade digital emerge como uma ferramenta indispensável para assegurar a inclusão de todos os cidadãos na sociedade digital.

Como bem destaca a pesquisa desenvolvida e publicada pelo Instituto Íris[1], a conectividade representa a universalização dos serviços públicos, como cursos à distância, pagamento de contas pela internet, agendamento de consultas médicas, entre outros.

Além disso, segundo o mesmo estudo, não utilizar a internet acarreta prejuízos de ordem cultural:

“Como um dos principais meios de comunicação da atualidade, a internet pode viabilizar a troca e produção de informações e entretenimento. Estar conectado às redes permite que o indivíduo esteja exposto a uma gama de conteúdos e informações que serão importantes para a sua formação pessoal e desenvolvimento de simbologias que identificam coletivos e formam culturas. Permitem, ainda, a realização de outros direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, como a manifestação de pensamento, o direito de associação e a expressão da atividade artística. Considerar inclusão digital como política pública não é delegar ao Estado função inovadora e pioneira. Na atual fase do desenvolvimento tecnológico, promover a apropriação dos cidadãos das Tecnologias da Informação e Comunicação é corresponder anseios populares garantidos na ordem constitucional há décadas.”

A conectividade Significativa e os desafios para sua implementação universal

A conectividade precisa ir muito além do acesso à internet para proporcionar todo o seu benefício. Ela deve garantir conexão confiável e acesível, bem como permitir o uso efetivo dos recursos digitais para melhorar a vida das pessoas.

A conectividade significativa assegura que as pessoas possam usufruir de oportunidades educacionais, culturais e econômicas, além de participar ativamente da vida cívica e social – possibilita acesso a direitos essenciais como educação, trabalho digno e a participação democrática, minimizando ciclos de exclusão e desigualdade.

Existem parâmetros mínimos de conectividade que a definem, como a continuidade e a velocidade, que permitem o acesso aos serviços e conteúdos necessários, bem como a utilização de dispositivos adequados para esse acesso.

“Há grande parte da população mundial que acessa a internet sem ter dados suficientes para o mês inteiro, ou com velocidades aquém do necessário, ou tendo que compartilhar dispositivos. Ao saber quais são as velocidade e a quantidade de dados mínima, assim como com quais dispositivos ou com qual frequência as pessoas devem se conectar, governos podem estabelecer políticas compatíveis com estes parâmetros”[2].

No entanto, alcançar essa conectividade universal é um desafio. Enquanto os centros urbanos já contam com diversas opções de acesso à internet de alta velocidade, as regiões remotas e de difícil acesso enfrentam obstáculos que tornam essa realidade mais distante. Nessas áreas, a infraestrutura tradicional de conectividade, como fibra ótica e banda larga móvel, muitas vezes é economicamente inviável ou logisticamente desafiadora.

“Atualmente a população mundial atinge a marca de 8 bilhões de pessoas, das quais 95% tem acesso a algum tipo de rede de banda larga, mas 390 milhões de pessoas (5%) não podem se conectar à internet devido à falta de acessibilidade, falta de acesso a um dispositivo e/ou falta de conscientização, habilidades, ou propósito. Essa lacuna gera grande divergências, como, por exemplo, um aluno sem conexão de internet em uma região rural não tem o mesmo acesso às informações e dados que um aluno com conexão nas grandes metrópoles.”[3]

Superar esse desafio da conectividade universal e significativa requer uma série de medidas, em especial políticas públicas direcionadas. Além disso, é preciso que o Estado fiscalize o cumprimento da legislação e das políticas públicas já existentes sobre a matéria.

O papel do Estado como propulsor do desenvolvimento da conectividade na implementação de políticas públicas

Um exemplo de política pública é o que é realizado por meio da utilização do poder de compra do Estado para promover e desenvover o mercados setoriais.

Vale registrar que as compras governamentais representaram uma média significativa de 13,8% do Produto Interno Bruto (PIB) no período de 2006 a 2012[4], continuando em percentual aproximado nos anos seguintes.[5]

Neste sentido, o Estado promoveu, por meio da Agencia Nacional de Telecomunicações, a Licitação  nº 1/2021 SOR/SPR/CD-ANATEL (Leilão 5G).

O objeto deste certame foi a concessão de direitos de uso de radiofrequências nas faixas de 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz, visando à ampliação e modernização das redes de telecomunicações no Brasil, com foco na implementação da tecnologia 5G.

Fez parte da iniciativa a utilização do certame para a finalidade de fomentar a ampliação e desenvolvimento da conectividade no nosso país, em especial, nas regiões mais remotas e necessitadas, por meio do estabelecimento de contrapartidas a serem realizadas pelas vencedoras do certame.

O edital, dentre outras, as seguintes iniciativas:

i. Implantação do Programa Amazônia Integrada e Sustentável – PAIS, que compõe o Programa Norte Conectado, nos termos da Portaria nº 1.924 – MCOM/2021, por meio da constituição da Entidade Administradora da Faixa de 3,5 GHz (EAF);

ii. Cumprir o Compromisso de Conectividade em Escolas Públicas de Educação Básica, por meio da criação da Entidade Administradora da Conectividade de Escolas (EACE).

No tocante ao papel da Eace, temos então que ela foi criada, em 2021, a partir da contrapartida das operadoras do Serviço Móvel Pessoal – SMP, que participaram do leilão 5G e tem por objetivo gerir os recursos a ela atribuídos, de modo a subsidiar e fazer com que sejam operacionalizadas, de forma isonômica e não discriminatória, todas as obrigações a ela designadas nos termos do edital.

Nos termos do edital de licitação mencionado, caberá ao Grupo Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas (Gape) disciplinar e fiscalizar as atividades da Eace.

Ressalte-se que o Gape conta com representantes da Anatel, do Ministério das Comunicações, do Ministério da Educação e de cada uma das proponentes vencedoras do Leilão do 5G.

Neste contexto, cabe ao Poder Público fiscalizar as ações executadas pela Eace, composta pelos representates das operadoras de telecomunicações, a fim de que cumpram o compromisso público assumido, uma vez que ele se reveste do interesse da coletividade.

O cumprimento, por sua vez, deve ser executado com as melhores técnicas e opções tecnológicas disponíveis, sem considerar, unicamente, o interesse econômico das operadoras, mas sim a melhor relação custo/benefício para o atendimento da coletividade.

O Poder Público tem adotado medidas para ampliar a conectividade significativa no vasto território brasileiro. A Agência Nacional de Telecomunicações realizou a primeira atualização de seu Plano Estratégico para o período de 2023 a 2027 e incluiu, dentre outros, os desafios globais referentes aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) e do planejamento da União Internacional de Telecomunicações (UIT)[6].

Deste modo, a Agência está formalmente comprometida, em seus objetivos institucionais, com a promoção da conectividade significativa e o desenvolvimento do ecossistema digital.

Certamente, a medida não é suficiente, mas um passo importante em busca da concretização da inclusão digital.

Novas tecnologias – o Papel da Internet Via Satélite na Inclusão Digital

Recentemente, o Conselho Diretor da Anatel aprovou  o provimento da conectividade das escolas objeto do Projeto Aprender Conectado (Eace), por meio de solução satelital, a ser implementado por meio do Programa de Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (GESAC), com a contratação direta da Telebrás. Segundo a Agência, “reforça-se o compromisso da Anatel com a inclusão digital e a melhoria da qualidade educacional no Brasil”[7].

Trata-se de um exemplo da capacidade da tecnologia via satélite, como uma das alternativas mais eficazes para alcançar regiões onde outras formas de conectividade não chegam. Ela permite que escolas em áreas rurais, comunidades isoladas, e locais remotos tenham acesso à internet de qualidade, democratizando a conectividade e permitindo a inclusão digital em escala nacional. Além de ser uma solução prática, a internet via satélite é flexível e não depende de uma complexa rede de cabos e torres para operar.

Neste sentido, há que considerar a potencial contribuição de empresas privadas de internet via satélite na concretização dessas políticas públicas, expandindo o acesso à internet em regiões críticas e remotas. Essas soluções desempenham um papel crucial ao garantir conectividade em áreas onde a infraestrutura terrestre não consegue alcançar, permitindo que mais pessoas participem do ambiente digital de forma efetiva.

Transparência e Participação Social

Além da questão da infraestrutura, é fundamental que as iniciativas de conectividade significativa também sejam pautadas pela transparência e pelo controle social. O poder público e as empresas que operam nesse setor têm a responsabilidade de dar ampla visibilidade às suas ações, de modo que a sociedade saiba quais medidas estão sendo tomadas para garantir que todos os cidadãos tenham acesso a essa ferramenta vital, especialmente os mais vulneráveis e isolados.

A conectividade significativa é uma condição indispensável para garantir que os cidadãos possam usufruir de seus direitos em uma sociedade digital cada vez mais interconectada.

No Brasil, onde as disparidades regionais ainda impõem barreiras para o acesso pleno à internet, as políticas públicas e as ações do setor privado, em colaboração com as iniciativas governamentais, desempenham um papel crucial nesse processo, conectando regiões remotas e proporcionando acesso a oportunidades educacionais, culturais e econômicas que podem transformar vidas.

*Felícia Borges – Advogada | Especialista em licitações e contratos | Consultora | Produção de conteúdo jurídico | Sistema S.


Referências:

[1] CARMO, Paloma; DUARTE, Felipe; GOMES, Ana Bárbara. Inclusão Digital como Política Pública: Brasil e América do Sul em perspectiva. Instituto de Referência em Internet e Sociedade: Belo Horizonte, 2020. Disponível em: . Acesso em: dd mmm. 23/10/2024.

[2] O que é conectividade significativa e quais políticas públicas podem viabilizá-la | TELETIME News

[3] Conectividade significativa pode preencher as lacunas da desigualdade tecnológica – Aprender Conectado – EACE.

Sugere-se também conhecer o teor do estudo do Cetic.Br (vinculado ao CGI.br), disponível em Lançamento_ES_ConecSignificativa_PT_final.pdf – Google Drive Consultado em 23.10.2024.

[3] Plano Estratégico da Anatel 2023-2027 é atualizado — Agência Nacional de Telecomunicações

[4] INÁCIO, Edmundo Jr.; RIBEIRO, Cássio Garcia. O mercado de compras governamentais brasileiro: aspectos metodológicos e de mensuração. Cadernos de Finanças Públicas , v. 14, p. 265-287, 2014.

[5] Ipea – publicacao Item

[6] Plano Estratégico da Anatel 2023-2027 é atualizado — Agência Nacional de Telecomunicações

[7] Conselho Diretor, em decisão inédita, aprova a execução dos Projetos do GAPE das fases 2 e 3 por meio de solução satelital pela Telebrás — Agência Nacional de Telecomunicações