A confusa posição da Coalizão Direitos na Rede contra a remuneração do conteúdo jornalístico no PL 2.630

O 12º Fórum da Internet no Brasil, promovido pelo NIC.br, abriu espaço ontem (03) na sua agenda de debates para discutir a questão da remuneração do conteúdo jornalístico pelas grandes plataformas de Internet. A proposta foi inserida pelo deputado Orlando Silva (PCdoB) no projeto de lei 2.630, também conhecido por “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”. Que popularmente ganhou também o apelido de “Lei das Fake News”.

O artigo 38 e seus parágrafos tratam especificamente de um princípio, que seria a obrigatoriedade de remuneração de conteúdo jornalístico pelas grandes empresas na Internet. Ele não é imediatamente aplicável, quando for votado pelas duas casas no Congresso Nacional e sancionado pelo presidente. Apenas traça um balizador sobre o tema, que ainda será necessário passar por um processo de regulamentação pelo legislativo.

A proposta:

Art. 38 Os conteúdos jornalísticos utilizados pelos provedores produzidos em quaisquer formatos, que inclua texto, vídeo, áudio ou imagem, ensejarão remuneração às empresas jornalísticas de direitos de autor, na forma de regulamentação, que disporá sobre os critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de
conflitos, transparência e a valorização do jornalismo profissional nacional, regional, local e independente.
§ 1º Fica ressalvado do disposto no caput o compartilhamento pelo usuário de Localizador Padrão de Recurso (URL), o uso de hiperlinks para conteúdo jornalístico original e os usos permitidos por limitações e exceções ao direito de autor.
§ 2º Farão jus à remuneração prevista no caput pessoa jurídica, mesmo individual, constituída há pelo menos 12 (doze) meses, contados a partir da data da publicação desta lei, que produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no Brasil.
§ 3º Fica garantida a negociação coletiva pelas pessoas jurídicas previstas no § 2º, inclusive as que integrarem um mesmo grupo econômico, junto aos provedores quanto aos valores a serem praticados, o modelo e prazo da remuneração, observada a regulamentação.

Como dito acima, o Artigo 38 não passa do estabelecimento de um “princípio”, sofrerá regulamentação posteriormente em novas iniciativas parlamentares. Será nessa segunda etapa quando ficarão claros questões como, “critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização do jornalismo profissional nacional, regional, local e independente”.

O que deseja a Coalizão Direitos na Rede

A Coalizão foi contra a proposta de Orlando Silva e das empresas de Comunicação. Ontem a jornalista Marina Pita fez uma confusa apresentação no evento, onde misturou assuntos que não guardam relação direta com o Artigo 38. Na questão da remuneração comentou aquilo que a Coalizão Direitos na Rede vê como “riscos ao modelo” proposto no PL 2.630, pelo fato de existirem “outros modelos” que mereceriam uma discussão prévia.

Vamos tentar entender qual o sugerido por essa entidade. Em recente publicação datada do dia 6 de abril de 2022 sobre a remuneração do conteúdo jornalístico, a Coalizão Direitos na Rede levantou a seguinte questão/proposta:

“Em diversos países que hoje discutem o tema, incluindo o Brasil, tem-se apontado, por exemplo, para criação de fundos de apoio ao desenvolvimento do jornalismo a partir da taxação das plataformas como forma de sustentabilidade do jornalismo”.

Na avaliação deste Blog tal proposta cheira a criação de um “Bolsa Jornalista”, com o agravante de ser um cartório com poderes conferidos, sabe-se lá para quem, de ditar a conveniência ou não de se aportar recursos em projetos no país, que depois não serão claramente fiscalizados por nenhum organismo de controle público ou privado.

Um cartório formado por um pequeno grupo (não explicado pela entidade quem participaria dele, nem como seria o seu processo de escolha, ou a sua representatividade no setor) com plenos poderes para se reunir e decidir quem terá direito a receber os recursos. Correndo o risco de ocorrerem privilégios por questões inclusive ideológicas, etc.

Há ainda outra sugestão da entidade que merece uma análise, embora não se conheça claramente o detalhamento da proposta: a Coalizão Direitos na Rede defende a criação de uma “taxação sobre as plataformas”. Isso suscita uma série de dúvidas: 1) Qual seria o valor cobrado e em cima de quanto estamos falando, em termos de receitas auferidas pelas plataformas com o conteúdo jornalístico? 2 – Como seria a arrecadação e a correção dessa taxação? 3 – O dinheiro arrecadado irá ficar parado numa conta bancária até a definição dos projetos? 4 – Quanto ficará reservado para o custeio dessa máquina arrecadadora e de fomento ao setor? Isso não ficou claro nem na proposta da Coalizão Direitos na Rede e nem na apresentação de Marina.

A colega jornalista também disse que “somente um debate aprofundado sobre a questão permitiria ao país definir qual o melhor caminho para as suas necessidades históricas”. Quais necessidades envolvem o jornalismo profissional no Brasil?

Num determinado momento a jornalista enveredou para uma discussão que aos olhos deste Blog está muito além do Artigo 38 proposto pelo deputado Orlando Silva, com o apoio do setor empresarial de Comunicação. (Os jornalistas através de suas representações, ao que parece, não abriram um canal de discussão com o parlamentar).

“Não temos uma mídia como nós gostaríamos de ter”. Como assim, nós quem?

Ao que conste a este Blog, com base em pesquisa na página oficial dela, a Coalizão Direitos na Rede não tem procuração de nenhuma das entidades representativas dos jornalistas brasileiros para falar em nome deles. Sendo assim, não vê legitimidade – ainda que sua contribuição com análises seja bem vinda e sua participação em outros artigos desta proposta de legislação foi fundamental – para tomar decisões em nome dos jornalistas profissionais.

Marina também enveredou de forma equivocada, aos olhos desse Blog, para uma proposta que assegure que a remuneração do conteúdo jornalístico também tenha por finalidade, financiar nichos no jornalismo como no caso do “jornalismo comunitário”, além da “comunicação pública” (provavelmente por meio da tal taxa a ser cobrada junto às plataformas).

A proposta parece ser descabida. Este Blog não vê uma razão plausível para que o jornalismo comunitário seja privilegiado com financiamento à base em taxações de plataformas. Quem atua nessa área, sendo jornalista profissional, por si só já estaria amparado no Artigo 38 desta proposta legislativa. Basta que requeira o acesso à remuneração de seu conteúdo. E sobre envolver a Comunicação Pública, que já é financiada pelo Estado, faria algum sentido?

Tanto Marina quanto o diretor da Google Marcelo Lacerda, levantaram questões totalmente fora da discussão do contexto do Artigo 38 proposto pelo deputado Orlando Silva, para afirmar que a Google ajuda o Jornalismo Brasileiro. Em ambos os casos analisaram de forma simplista a crise financeira que abala a imprensa no Brasil. Não cabe aqui tecer considerações sobre o problema, mas o Blog topa futuramente debater sobre o assunto com quem desejar.

Mas vê de antemão esse problema como sendo algo que está muito além da perda de receitas com classificados pelos jornais, como colocou o executivo da plataforma. Ou também não vê como a segmentação de conteúdos pornográficos na Internet possa contribuir para essa discussão.

Sinceramente este blog não conseguiu entender aonde a colega jornalista quis contextualizar em relação ao tema. Muito menos discutir se caberia remuneração para conteúdos não jornalísticos por questões de gosto de leitura ou regulamentação publicitária na Internet. Assistam a confusa apresentação da representante de uma coalizão, que resolveu se envolver com um assunto que não deveria estar no seu escopo de atuação.