Por Jeovani Salomão* – Em 1990, por causa de umas questões paralelas – parafraseando Chico Buarque, fui parar em Caxambu, para a décima terceira reunião da Sociedade Brasileira de Química. A época de universidade, que tive o imenso privilégio de passar na Universidade de Brasília – UNB, traz lembranças e saudades para a maioria de nós. Para mim, foi uma ruptura completa com o modelo de ensino que tinha vivenciado no meu “segundo grau”, hoje ensino médio. Não havia mais o bedel, nem a obrigação de assistir aula, a parte institucional era totalmente impessoal e os amigos vinham de origens distintas, com experiências de vida e pensamentos extremamente interessantes.
Dada a minha condição financeira, logo nos primeiros semestres, já fui buscando alternativas de bolsas, de forma a poder ter alguma, embora pequena, disponibilidade de dinheiro para, pelo menos de vez em quando, acompanhar os movimentos do pessoal. A bolsa a que me dediquei mais tempo, e a que me trouxe as melhores experiências, foi a da AAAUnB – Associação Atlética e Acadêmica da UNB. Nesta afortunada posição, tive a oportunidade de organizar por duas vezes os jogos internos da universidade, o que significava desde pensar no planejamento, elaborar as tabelas, contratar os árbitros com bolsas, até colocar cal no campo de futebol ou varrer algum espaço que precisasse de limpeza antes da competição. Fazíamos o que fosse preciso para que os jogos, que reuniam mais de mil estudantes, fossem um sucesso. Eu participava ativamente também como atleta, porque meu departamento, o de matemática, mesmo unindo forças com o de estatística, possuía apenas um time realmente bom, o de basquete. Nesse eu não tinha vaga, mas nos demais e nas provas individuais, eu ingressava para completar e para obter mais pontos nos torneios.
Curiosamente, em função da minha presença constante no departamento de química, que incluiu a invasão de uma sala para a criação do Centro Acadêmico, e pela atuação nos esportes, raros eram os que sabiam que eu cursava matemática.
Voltando para Caxambu, lembro-me até hoje de uma camiseta que comprei há época, que continha os seguintes dizeres: “Em Minas Gerais ainda existem quintais onde se fazem canções e revoluções”. Foi paixão à primeira vista pelas palavras que combinavam bem com o romantismo daquela fase da vida, na qual queremos as coisas certas, mas não temos a menor noção do que é preciso fazer para que elas se materializem. A utopia de um mundo melhor e mais igualitário convivia com ideias pouco sustentáveis de linhas de ação.
Lembrei-me disse tudo porque visitei recentemente o interior de Minas, mais especificamente Matias Barbosa, uma cidade da Zona da Mata, próxima a Juiz de Fora, para avaliar uma oportunidade de negócios. Fui recebido da forma que só os mineiros sabem fazer e, tenho certeza de que, se permanecesse por mais uns dias, ia dobrar de peso. As guloseimas irresistíveis são um verdadeiro teste de disciplina, no qual eu indiscutivelmente fui reprovado!
A estada trouxe reflexões sobre o estilo de vida das cidades menores em comparação com os grandes centros urbanos. Tranquilidade, segurança, baixo nível de estresse, menor custo de vida são alguns dos aspectos. Mas outras coisas peculiares ficaram evidentes. Quando eu perguntei de onde era o torresmo maravilhoso que eu estava comendo, disseram que era da fulana de tal, o queijo produção do beltrano, o doce, a máscara, os biscoitos com procedência conhecida, de algum ilustre produtor local. Quando muito, da cidade vizinha. A economia acontecendo dentro da própria comunidade com efeitos sensacionais. Quando fomos almoçar um dia, para saborear um delicioso peixe fresco, a Marcelle Oliveira, fundadora e presidente da empresa que fomos conhecer, disse-me que podia esquecer a carteira em casa e mesmo assim comprar qualquer coisa, porque todos a conheciam e ela tinha crédito.
Por outro lado, o tamanho da cidade não impediu a empreendedora de iniciar um negócio que agora se propaga por vários estados do país, com mais de cento e vinte franquias já vendidas. Um sucesso que vai ser ainda maior e que sempre terá o orgulho de dizer que nasceu em Matias Barbosa, com seus quinze mil habitantes.
O impacto da empresa para a cidade já é grande e será ainda maior, com a geração de empregos, renda e riqueza para a região. Muitas famílias vão ser beneficiadas e poderão usufruir de uma qualidade de vida ainda maior.
Ao contrário do tipo de revolução que eu imaginava pela primeira vez, quando vi a camiseta em Caxambu, pode estar em curso uma revolução muito melhor para o país. Quando os negócios surgem no interior e fortalecem a região a que pertencem, eles se tornam muito mais relevantes para o desenvolvimento social. Levam dignidade, orgulho e possibilidades para comunidades onde o ordenamento urbano é muito mais simples. Aonde é possível resolver as mazelas que os grandes centros urbanos não conseguem mais tratar.
Com os novos paradigmas que surgiram com a COVID, com utilização intensiva de tecnologia da informação, é crível imaginar que as pessoas possam trabalhar à distância, de forma regular, e produzir adequadamente. Com isso, podemos sonhar com negócios surgindo fora dos centros urbanos tradicionais, fixando pessoas em cidades que permitam uma melhor qualidade de vida e relações sociais mais humanas. O desenvolvimento que vem do interior é o mais benéfico que um país pode ter. Quem sabe, seja esse o caminho para levar o Brasil a outros patamares. Não o Brasil dos grandes centros apenas, mas um país mais inclusivo, mais solidário, que sabe cuidar do vizinho. Um país com milhares de Matias Barbosa, sediando empresas como a MultSaúde.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.