Por José Luis Gordon* – A crise que tem se apresentado com o novo Coronavírus, que ainda está se desdobrando, terá impactos econômicos e sociais devastadores no mundo todo. No caso do Brasil, segundo projeções da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), o PIB se contrairá 5,2%, a maior retração econômica em mais de um século.
Cada vez mais, torna-se claro que não haverá um retorno à normalidade de antes. A mudança será estrutural e as relações econômicas se transformarão profundamente. O Brasil, assim como os demais países, tem à sua frente o desafio de pensar no caminho que irá trilhar no pós-crise da Covid-19.
Há três principais situações que o momento tem relevado e que devem ser consideradas em uma estratégica de recuperação do país. Primeiro, observa-se que o Brasil depende em muitos casos de mercados externos para obter equipamentos e produtos do setor de saúde, desde os mais simples, como EPIs, até os mais complexos, como respiradores.
Essa dependência de importações expõe a vulnerabilidade do acesso a equipamentos e bens no setor de saúde, o que se verifica também em outros setores da estrutura produtiva, como o de tecnologia da informação e comunicação, automobilístico e outros. Assim, faz-se necessário o fortalecimento das cadeias produtivas instaladas no país.
A segunda circunstância é a queda no nível de poluição que se notou em grandes cidades em função da diminuição do nível de deslocamentos, principalmente por meio da redução do trânsito de veículos. Em São Paulo, onde a poluição atmosférica é responsável por 4 mil mortes anualmente, a diminuição da poluição devido ao isolamento social chegou a 33% e já há pesquisas em curso para aferir o quanto isso pode contribuir para a redução de fatalidades e melhoria da saúde de seus habitantes.
O último cenário é o salto de aceleração da digitalização da economia e da vida das pessoas e das empresas, seja por meio do teletrabalho e do uso de aplicativos de delivery e outros serviços, seja com o avanço definitivo do e-commerce e das tecnologias digitais nas empresas.
Embarcando nas mudanças já colocadas em marcha por esses contextos, a estratégia de recuperação do país poderia ter como eixo estruturante o fortalecimento do setor produtivo com base na inovação, economia digital e tecnologias verdes. Trata-se de uma alternativa baseada naquilo que a economista Carlota Perez chama de smart green growth, que consiste no uso de tecnologias ligadas a economia digital relacionadas ao desenvolvimento sustentável com grande foco em inovação.
Para isso, serão necessárias políticas públicas que direcionem a recuperação para esse caminho, estimulando o setor produtivo a inovar mais e se tornar mais moderno e sustentável. Dar início a um novo ciclo de crescimento liderado por investimentos sustentáveis, com foco em inovação, digitalização e tecnologias limpas, é essencial não apenas para atender à urgente necessidade de gerar empregos e renda. Também é um caminho possível para que o país dê um grande impulso em direção a um novo modelo de desenvolvimento, mais inclusivo, mais saudável, menos poluente e mais competitivo.
O momento atual requer desenhar uma nova geração de iniciativas que tenham inovação e sustentabilidade como eixos centrais. Será necessário um conjunto coordenado de instrumentos modernos de política pública, que incluam estímulos fiscais para investimentos sustentáveis, mecanismos de financiamento inovadores (como o green bonds), compras públicas direcionadas para o desenvolvimento tecnológico sustentável, recursos não reembolsáveis para projetos de inovação em parceria entre universidades e empresas e subvenção econômica.
Nesse contexto de smart green growth, as áreas-chave para um modelo de alto valor agregado e baixo impacto ambiental são internet das coisas, inteligência artificial, manufatura 4.0, novos materiais sustentáveis, energias renováveis, mobilidade sustentável, economia circular, bioeconomia, entre outras.
As tecnologias ligadas à manufatura 4.0 podem contribuir para uma maior otimização do processo produtivo, utilizando de forma mais eficiente os insumos da produção, melhorando o consumo de energia, reduzindo perdas, reaproveitando subprodutos e resíduos. Tudo em linha com um modelo de economia circular.
O uso de inteligência artificial e dados pode ajudar nesse processo ao gerar melhores análises da produção, possibilitando mais eficiência produtiva. O uso e desenvolvimento de novas fontes de energia renovável e de mobilidade sustentável, que também dependem criticamente das tecnologias digitais (redes inteligentes, smart roads, infraestrutura de recarga etc.) são essenciais para melhorar a saúde e a qualidade de vida das pessoas.
As circunstâncias recentes demonstraram como poderia ser a vida com uma infraestrutura de mobilidade menos poluente. Um novo padrão de mobilidade é preciso, baseado na eletromobilidade para reduzir a poluição nas cidades, na gestão inteligente do tráfico, nas tecnologias modernas de mobilidade ativa e na necessidade de garantir maior igualdade de acesso a oportunidade das pessoas, disponibilizando transporte que permita acesso a empregos, educação e saúde. As tecnologias da informação, como a internet das coisas, são essenciais para cidades inteligentes e sustentáveis.
Nesse momento, está colocada a oportunidade de se desenhar uma estratégia de recuperação que prepare o país para o futuro. É essencial o papel de políticas públicas que possam contribuir com esse novo cenário que se coloca. Instrumentos corretos aplicados de forma coordenada têm um grande papel de ajudar o setor produtivo nessa nova agenda. Agora é a hora da inovação. Agora é a hora de colocar o Brasil na rota da inovação sustentável.
*José Luis Gordon – Doutor em economia pela IE/UFRJ