Voltamos à série: “metade equívoco, metade invenção”.

No Brasil, sempre que uma notícia é boa não faltam autoridades que queiram anunciá-la. Mas quando alguma informação é ruim, quem fica com o abacaxi é o terceiro escalão.

A posição brasileira na UIT parece que se encontra nessa situação. Ficou para o chefe da área de assuntos internacionais da Anatel, Jeferson Nacif, sustentar a posição brasileira: “Em todos os fóruns internacionais, defendemos o aprimoramento do modelo atual de governança da Internet de forma a ser realmente baseado nos princípios do multissetorialismo, multilateralismo, democracia e total transparência.”

Bacana e ninguém está questionando se o governo foi ou não “transparente” nas suas ações. O que eu questiono é se os resultados foram um ganho para o Brasil ou não, em termos de imagem internacional.

A primeira impressão que tenho é de que o Brasil ficou na contramão de todas as democracias do planeta e não estou me referindo só aos EUA. Assinou um acordo pelo qual aparentemente se quer combater o SPAM, quando na realidade com a chegada do IPV6 essa realidade irá acabar naturalmente.

Aliás, aproveito para contestar essa versão e ao conselheiro da Anatel Marcelo Bechara, que a defendeu no Twitter. Se o combate ao SPAM fosse tão relevante para o Brasil, esta medida deveria ter sido tomada há sete anos com o fechamento da porta 25 e não agora como recentemente foi anunciada pelo CGI.br, organismo do qual o conselheiro é membro.

A posição brasileira também foi defendida pelo secretário de Telecomunicações, Maximiliano Martinhão, como uma decisão que não fugiu ao padrão dos demais países da América Latina. De fato todos foram unânimes, mas não dá para comparar o Brasil à esses países. Se o Brasil fosse contra certamente a maioria seguiria sua linha de pensamento. E tratar todos como democracia, bem, deixemos essa questão para outro dia, certo?

Por fim, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, sempre que uma notícia o incomoda tem o hábito de chutar o veículo que estabeleceu algum contraditório. Classificou de “mentira” a análise que fiz no Twitter e ainda chegou a dizer em São Paulo, onde participou de um almoço com empresários, que não estava caminhando para o lado negro da força.

Eu não disse que o Brasil irá censurar alguém ou que o Brasil foi à UIT defender essa causa. O que eu deixei claro é que, esse artigo 5B do texto final da UIT que trata de governança de Internet, abre o caminho para qualquer governo que tenha um viés ditatorial, seja pela linha ideológica ou teológica, possa exercer uma censura a conteúdos que venham de fora pela Internet e isso é algo muito maior que o combate ao SPAM.

Fica a pergunta: se era para combater só o SPAM, por que a palavra não consta no texto, para ficar bem clara a posição desses países?

De resto, a possibilidade de um novo organismo querer repartir os poderes com o ICANN me parece uma medida salutar, para acabar com a hegemonia sobre a Internet que os EUA exercem, já que a rede mundial não pertence a um só país.

Porém o que fizeram foram dar sobrevida a um organismo moribundo, nascido para arbitrar questões apenas sobre redes de telecomunicações, que agora servirá de avalista em discursos inflamados de quem desejar censurar conteúdos na Internet.

Esse documento aprovado agora serve para isso, para alguém afirmar que está fazendo apenas aquilo que a própria UIT ‘recomendou’. E o Brasil, enquanto signatário, foi um daqueles que referendou.